Como vender mais camisas da seleção brasileira usando Discovery?
Sergio Pena

Sergio Pena

13 minutos de leitura

Disclaimer: os exemplos utilizados no artigo são fictícios pois não temos acesso aos dados dos produtos mencionados, nem qualquer ligação com as empresas.

Ambiguidade, ambiguity, ambigüedad, ambiguïté…a palavra mencionada em 9 a cada 10 processos seletivos para Product Manager está frequentemente presente nos processos de Discovery. Enquanto pessoas de Produto, frequentemente vamos buscar resolver problemas onde existem N espectros de certo e outros N de errado e não somente duas respostas.

Descobrir oportunidades de melhorar um produto é como navegar por águas desconhecidas mas sabendo onde se quer chegar. Podemos não saber como chegar, mas precisamos saber como descobrir e como diminuir as chances de nos perdermos no caminho. É sobre isso que vamos falar neste artigo: sobre viagem em alto mar sobre como descobrir circustâncias oportunas de geração de valor para o cliente e para o negócio.

Comece pelo começo

Parabéns, você foi contratado para ser Product Manager da Nike no Brasil e seu objetivo do trimestre é aumentar em 10% as vendas online de camisas da seleção brasileira de futebol, mirando o evento da Copa do Mundo de 2022.

Uhuuuuuul, bora celebrar e contar para todo mundo! Virar exemplo de quem venceu na vida nos jantares em família, irritando aquela sua prima invejosa.

Passado o momento de euforia, vem o monstro da síndrome do impostor e você para e se pergunta: como raios eu vou fazer isso?

A resposta é: comece pelo começo!

O primeiro passo é entender a fundo o que é o produto, quem é a persona, qual a jornada de interação com os (potenciais) clientes, etc.

A Nike oferece vários modelos da camisa da seleção brasileira, desde cores até modelos diferentes, a fim de agradar todos os tipos de gostos. Para que sua meta fosse bem específica, seu product-trio e sua liderança direta decidiram que o foco da sua squad será na camisa número 1 de adultos (foto abaixo).

Camisa Nike Brasil 2022/23

Bom, já temos algumas informações básicas do produto e assim conseguimos começar nosso processo de Discovery:

  • [x] Definição do objetivo
  • [x] Informações básicas do produto
  • [ ] Conhecimento da jornada de compra do produto
  • [ ] Investigação de oportunidades
  • [ ] Priorização das oportunidades
  • [ ] Hipóteses de solução

Conhecendo a jornada de compra do produto

Para mapear a jornada do cliente, é recomendado que seja feito um processo de pesquisa envolvendo Design e Produto. Para não alongarmos muito o nosso exemplo, digamos que esse processo já tenha sido feito e tenhamos chegado na jornada abaixo.

jornada de compra camisas da seleção brasileira

Se você leu nosso artigo “Como criar e analisar um funil de produto B2C”, vai saber como criar uma visão de funil dessa jornada para entender quantitativamente onde estão as maiores oportunidades.

funil da jornada de compra do torcedor da seleção brasileira

Pela visão acima, conseguimos perceber alguns bons caminhos a serem investigados:

  1. Visualizar os detalhes do produto: 95% das pessoas que acessaram o site não visualizaram o nosso produto;
  2. Adicionar ao carrinho: 74% das pessoas que visualizaram o produto não prosseguiram adicionando ele ao carrinho.
  • [x] Definição do objetivo
  • [x] Informações básicas do produto
  • [x] Conhecimento da jornada de compra do produto
  • [ ] Investigação de oportunidades
  • [ ] Priorização das oportunidades
  • [ ] Hipóteses de solução

Investigando oportunidades

Para saber qual das 2 etapas do funil priorizar, você como bom PM consultou qual a taxa média de conversão de produtos similares ao seu e constatou que 5% dos clientes que visitam o site irem pra tela de detalhe de produto não é ruim, pelo contrário, é o dobro da média de produtos similares. Assim sendo, você decidiu priorizar a investigação do drop entre os que visualizaram o produto mas não o adicionaram ao carrinho.

Mas como descobrir o que está causando um drop de 74% entre quem acessou o produto e quem seguiu adicionando-o ao carrinho?

Existem diversas maneiras de se fazer isso (viva a ambiguidade), mas abaixo você encontra alguns exemplos que podem te ajudar.

Test-drive

Minha recomendação é sempre começar fazendo um test-drive da jornada. Assim, você pode ver com os próprios olhos todos os touchpoints do cliente com o produto e começa a ter suas primeiras hipóteses de oportunidades de melhoria na jornada.

Outro teste legal seria selecionar algum parente ou amigo próximo que se encaixe no público-alvo e observá-lo realizando a jornada de compra do produto.

Tickets de atendimentos

Um jeito muito bom de entender as fricções do seu produto é olhar tanto para a volumetria de tickets de atendimento como para os detalhes dos atendimentos. Pela volumetria você vai conseguir saber logo de cara se existe um alto volume de atendimentos em uma etapa específica da jornada, o que pode ser um bom indício da causa das pessoas não estarem completando aquela etapa.

Mas como bom PM que você é, com certeza olhará em detalhe pelo menos para uma amostra dos atendimentos, buscando entender especificamente o que os clientes estão relatando, já que você tem o domínio do produto.

Você pode acabar descobrindo, por exemplo, que existe uma fricção na jornada de adicionar produtos ao carrinho que afeta mais produtos e não só a camisa da seleção brasileira.

Avaliações dos clientes

Olhar as avaliações do produto no seu site e também em outros canais como Google, ReclameAqui, redes sociais, etc, pode também trazer insights valiosos sobre possíveis motivos dos clientes não estarem convertendo. Muita gente se baseia em recomendações para comprar produtos online e avaliações negativas podem estar afastando futuros compradores.

Conversas com stakeholders

Por que sair reinventando a roda sem necessidade? Uma forma de descobrir possíveis oportunidades é conversar com outras áreas da empresa ou mesmo com sua squad e tribo para entender o que já foi tentado no passado, quais as dores e oportunidades já conhecidas, o que eles têm conhecimento que já foi reportado por clientes, etc.

Pesquisas com clientes

Nada melhor que ir direto na fonte, né? Você pode realizar pesquisas quantitativas ou qualitativas com clientes para entender os principais motivos pelos quais eles não estão convertendo.

Existem alguns livros que te ajudam a formatar melhor as perguntas para não enviesar as respostas, como “The Mom’s Test” e “Lean Customer Development”, vale a pena conferir.

Análise do mercado

Existe algum fator externo que pode estar afetando as vendas? Uma crise econômica, uma antipatia generalisada das pessoas com a seleção brasileira ou mesmo pessoas não querendo usar a camisa da seleção por motivações políticas?

É sempre bom estar antenado no que está acontecendo no seu mercado de atuação pois pode ser que a causa do seu problema não esteja somente no produto.

Primeiros insights

Depois de analisar tickets de atendimento, conversar com stakeholders, entender o momento atual do mercado e realizar uma pesquisa quantitativa com clientes, você chegou a alguns insights iniciais de motivos pelos quais os clientes podem não estar convertendo:

primeiros insights sobre vendas online da camisa da seleção brasileira
  • [x] Definição do objetivo
  • [x] Informações básicas do produto
  • [x] Conhecimento da jornada de compra do produto
  • [x] Investigação de oportunidades
  • [ ] Priorização das oportunidades
  • [ ] Hipóteses de solução

Priorização de oportunidades

Listadas as oportunidades iniciais, chegou o momento de priorizá-las. Para isso, vamos nos basear nos resultados da pesquisa quantitativa feita com clientes.

A pesquisa foi respondida por 10.000 clientes que visualizaram o produto mas não o adicionaram ao carrinho e, assim, seu resultado teve significância estatística.

priorização em cima de pesquisa quantitativa

Os 3 primeiros motivos correspondem a 76% do total de respostas, esse é nosso Pareto, é neles que devemos focar. Para o artigo não virar um livro (rs), focaremos exclusivamente no problema “Não tinha o meu tamanho”, que representa 40% das respostas relacionadas a esse problema.

“Não tinha o meu tamanho”

Na pesquisa quantitativa, pedimos para quem selecionou essa opção informar qual seu tamanho de camisa, a fim de entendermos a oportunidade aqui.

tamanho da camisa da seleção brasileira

Como podemos ver, GG representa a metade dos casos. Parece que encontramos uma oportunidade!

Antes de sair pulando para soluções, você, como bom ou boa PM, se lembrou que nem sempre o que as pessoas dizem (atitudinal) condiz com o que elas realmente fazem (comportamental). Assim, antes de mobilizar sua squad para atuar nessa oportunidade, você decidiu cruzar os resultados dessa pesquisa com os dados do e-commerce.

Ao consultar os dados de uso dos sites de e-commerce onde a nossa camisa está listada, você confirmou que a maior parte (50%+) dos clientes que viu a mensagem de “produto sem estoque” havia selecionado o tamanho GG. Ou seja, realmente há uma oportunidade ali.

Analisando as possíveis causas

Nota: a pessoa que vos escreve não é especialista em logística e muito menos conhece o processo de fabricação e distribuição da Nike, portanto se apeguem ao exemplo apenas para fins didáticos, rs.

Como resolver o problema de estarem faltando apenas tamanhos específicos? O primeiro passo é entender o motivo de isso estar acontecendo. Após conversar com as áreas de logística, vendas, Marketing, entre outras, seu Product-trio chegou às seguintes possíveis causas para esse problema.

análise das possíveis causas dos números nas vendas das camisas da seleção brasileira
  • [x] Definição do objetivo
  • [x] Informações básicas do produto
  • [x] Conhecimento da jornada de compra do produto
  • [x] Investigação de oportunidades
  • [x] Priorização das oportunidades
  • [ ] Hipóteses de solução

Hipóteses de solução

Chegou a hora de explorar hipóteses de solução. Depois de fazer todo o processo de Discovery listado até aqui, você reuniu sua Squad para discutirem possibilidades de solução para o problema priorizado, compartilhando com todos o que foi descoberto sobre o problema a ser resolvido.

Após listarem as possíveis soluções, vocês utilizaram o framework ICE para definir a ordem de prioridade delas.

hipóteses de solução utilizando framework ICE

Com 2 hipóteses de solução empatadas em 1º lugar (score 10), a squad decidiu priorizar ambas e agora vai começar a rodar experimentos para validar as hipóteses priorizadas, a fim de tentar atuar sobre o problema encontrado.

  • [x] Definição do objetivo
  • [x] Informações básicas do produto
  • [x] Conhecimento da jornada de compra do produto
  • [x] Investigação de oportunidades
  • [x] Priorização das oportunidades
  • [x] Hipóteses de solução

Conclusão

Neste artigo usamos um exemplo fictício para demonstrar como é possível encontrar oportunidades para atingir determinado objetivo e a partir daí entender mais a fundo o que está ocorrendo e por qual motivo, para então começar a discutir possíveis soluções.

Podemos usar o Discovery e a gestão de produtos como processo para resolução de problemas de praticamente quaisquer áreas. Não se apegue a ferramentas e frameworks, mas sim defina uma linha de raciocínio, que será sua base para navegar por problemas ambíguos onde muitas vezes de partida você não saberá a resposta, mas saberá como descobri-la.

Embora o artigo tenha listado uma série de passos e formas de investigação, nem sempre a mesma ordem ou meios vão resolver novos problemas. Cada oportunidade/problema apresenta um contexto diferente e cabe a você PM entender qual a melhor forma de investigá-lo e resolvê-lo. Mas não se assuste, com a experiência e estudos você vai aumentando sua “caixa de ferramentas” para resolver problemas.

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a foto mostra will sertório, instrutor do curso de product discovery da pm3

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