Product Discovery (Descoberta de produto) é o processo de entender as necessidades e desejos dos usuários e transformá-los em oportunidades para criar ou melhorar um produto, serviço ou negócio. Essa atividade extremamente importante existe para minimizar os riscos de falha e garantir que a solução gere valor para os clientes e para a empresa. Mas quais são as melhores práticas para realizar a descoberta de produtos de forma eficiente e eficaz? E mais ainda: como implementar um processo continuo de entendimento dos clientes?
Para quem tem interesse em aprender mais sobre como fazer Product Discovery continuamente na prática, recomendo conferir o livro “Continuous Discovery Habits” (Hábitos de Descoberta Contínua) da Teresa Torres. Ele oferece um guia completo da teoria à prática. Abaixo, apresento um sumário com a inclusão de algumas notas pessoais para compartilhar o que aprendi sobre o tema.
1. O que, quem e como
De acordo com a autora, a descoberta contínua é:
“No mínimo, pontos de contato semanais com os clientes pela equipe que está construindo o produto, onde ela realiza pequenas atividades de pesquisa em busca de um resultado desejado.”
– Teresa Torres em Continuous Discovery Habits
Muitos livros sobre gerenciamento de produtos falam sobre a importância de uma equipe multidisciplinar e como compor o time. No entanto, a autora Teresa Torres vai além e atomiza a equipe de produtos em um Product Trio (Trio de Produto) em o que é um mínimo para ter um processo de sucesso, composto por uma pessoa Product Manager, uma pessoa de Design e uma pessoa de Engenharia. Cada um desses papéis tem habilidades e perspectivas únicas a serem trazidas para a mesa durante o desenvolvimento.
- Product Manager: embora o título possa sugerir, em geral a pessoa nesse papel não é responsável por dar ordens à equipe. Seu papel é conduzir o processo de descoberta de produtos de maneira colaborativa, utilizando boas práticas, garantindo que as ideias sejam coletadas e testadas de forma eficiente, além de alinhar as expectativas entre a equipe, os stakeholders e os objetivos da empresa;
- Design: ajuda a traduzir as necessidades dos usuários em soluções de design inovadoras. Garantir a usabilidade do produto e pensar em formas excitantes para que o usuário execute o trabalho;
- Engenharia: ajuda a avaliar a viabilidade técnica das soluções propostas pela equipe e garantindo que elas possam ser implementadas com sucesso. Além disso, o engenheiro pode contribuir para a inovação, trazendo novas tecnologias e soluções técnicas para a mesa.
Embora cada um dos membros do Product Trio tenha habilidades e perspectivas únicas a serem trazidas para a mesa, é a colaboração entre eles que torna a descoberta de produtos bem-sucedida. É importante que a equipe trabalhe em conjunto e se comunique efetivamente durante todo o processo de descoberta, para garantir que todas as ideias sejam ouvidas e que os objetivos do produto sejam alcançados de forma colaborativa.
O Product Trio trabalha continuamente para alcançar resultados de negócios por meio do mapeamento de oportunidades, priorização e seleção, mapeamento de soluções e teste de suposições. Correndo em paralelo com as atividades de Product Delivery que não são abordadas aqui, mas que normalmente seguem processos Agile ou Waterfall de gestão de projetos para de fato entregar a solução.
Ao longo do processo o Product Trio trabalha com uma ferramenta visual chamada Opportunity Solution Tree (OST abreviado ou Árvores de Oportunidades e Soluções, traduzido).
“As OST ajudam a visualizar e traçar o melhor caminho para alcançar o resultado desejado. Elas orientam e informam o processo de descoberta de produtos.”
2. Definindo outcomes: resultados desejados
Na criação de produtos, é importante estabelecer claramente o que se deseja alcançar. Isso envolve os outputs quanto os outcomes. Outputs são as funcionalidades ou características específicas do produto, enquanto outcomes são os resultados desejados de produtos e negócios.
Exemplos de outputs (funcionalidades):
- Sistema de login seguro;
- Interface do usuário;
- Ferramentas, automações e workflows do produto;
- Sistemas diversos: IA, imagem, processamento e outros.
Exemplos de outcomes (resultados desejados):
- Aumento da aquisição de usuários;
- Aumento da taxa de conversão;
- Aumento na retenção dos usuários;
- Aumento da satisfação do usuário.
É importante mudar o mindset de output para outcome na definição dos objetivos e do roadmap do produto. Isso permite que as equipes se aprofundem nas necessidades dos clientes e dos usuários finais, em vez de apenas se concentrarem em fornecer um conjunto de funcionalidades. Ao definir outcomes, a organização é forçada a olhar para fora, considerando como pode gerar valor para seus usuários e impactar positivamente seu negócio. Isso também dá espaço para a inovação, permitindo que o time busque em soluções criativas para alcançar esses resultados desejados.
Nota: Um dos itens que Marty Cagan pontua como sendo diferencial entre os melhores times de produtos e os piores (The Best and The Rest) é essa diferenciação do foco em resultado versus o foco em funcionalidades.
Dentro da dimensão de resultados, é importante realizar uma distinção entre business outcomes (resultados de negócios) e product outcomes (resultados de produtos). Business outcomes referem-se aos resultados de negócios mais amplos que a organização está tentando alcançar, como aumentar a receita ou reduzir os custos operacionais, exemplo: aumentar a retenção de usuários. Product outcomes são os resultados que o produto deve entregar para contribuir para o alcance dos resultados de negócios, exemplo: aumentar a satisfação dos usuários com a funcionalidade X. Nos exemplos, imagina-se que a retenção de uma segmento de usuários deve ser proporcional com a satisfação do usuário com a funcionalidade X.
- Business outcomes têm lagging indicators (indicadores atrasados). Isso significa que seu resultado normalmente demora a aparecer. Fora isso, o time não tem controle direto;
- Product outcomes têm leading indicators (indicadores de avanço). Isso significa que são rápidos de medir e tem influência sobre os indicadores de negócio. O time tem maior controle sobre as ações que podem tomar para mover a agulha desses indicadores.
É importante que no início do processo de Discovery sejam definidos e negociados os product outcomes que devem ser alcançados. Também é importante definir resultados que deveriam começar com Learning Goals (objetivos de aprendizagem), antes de ir para os SMART Goals. SMART é uma sigla em inglês que significa Specific (específico), Measurable (mensurável), Achievable (atingível), Relevant (relevante) e Time-bound (limitado no tempo). Os objetivos SMART ajudam a equipe a se concentrar em resultados tangíveis e específicos, e a definir claramente o que deve ser alcançado e quando.
3. Mapeando e selecionando oportunidades
A autora utiliza a dimensão de oportunidades (conjunto de dores, necessidades e desejos dos usuários) para criar produtos que gerem valor para os clientes e para a empresa. Falei um pouco sobre esse tema em outro artigo inspirado também por ela. É essencial mapear e selecionar as melhores oportunidades, mas antes de selecionar temos que percorrer três passos: criar um mapa de experiência do cliente, realizar entrevistas com clientes e, finalmente, inserir as oportunidades identificadas na árvore de soluções e oportunidades (OST).
- O Customer Experience Map (Mapa de experiência do cliente) é uma técnica que ajuda a entender o comportamento e a perspectiva do cliente. Ele permite visualizar o fluxo de interações do cliente ao executar um trabalho específico, desde a conscientização até a conclusão. O mapa de experiência do cliente pode ser criado por meio da análise de dados, de observação, de experiência na indústria entre outros. Permite que a equipe de produto identifique possíveis oportunidades;
- As entrevistas com clientes são uma forma essencial de obter informações valiosas sobre as dores, necessidades e desejos do cliente e dessa forma quantificar as oportunidades. A equipe de produto pode realizar entrevistas com clientes por telefone, pessoalmente ou por meio de questionários online. Durante a entrevista, a equipe de produto deve se concentrar em validar ou invalidar as oportunidades identificadas assim como descobrir novas;
- Uma vez que as oportunidades tenham sido identificadas por meio do Customer Experience Map e das entrevistas com clientes, elas podem ser inseridas na árvore de soluções e oportunidades (OST). Isso permite que a equipe de produto avalie e priorize as oportunidades, com base em seus objetivos de negócios e nas necessidades do cliente. Algumas oportunidades podem ser agrupadas e arranjadas em uma relação pais-filhos (sub-oportunidades dentro de uma oportunidade de maior nível) ou irmãos (duas sub-oportunidades que fazem parte de uma mesma oportunidade maior) no mapa.
As oportunidades identificadas devem ser avaliadas, priorizadas e selecionadas com base na quantidade de vezes que apareceram nas entrevistas, a frequência com que os clientes tem que lidar com tal atividade, fatores de mercado e fatores da empresa como: se está ligada aos resultados desejados, viabilidade técnica, estratégica e financeira.
4. Mapeando soluções e testando suposições
Uma vez que as melhores oportunidades foram selecionadas, é hora de buscar soluções para criar ou melhorar um produto. Esse processo envolve os seguintes passos: mapear soluções, avaliar ideias e testar suposições.
- As ideias podem surgir de diversas formas, como brainstorming, entrevistas com clientes, análise de concorrência, entre outras. Idealmente, a equipe de produto deve buscar um mapa de ideias com grande quantidade, diversidade e inovação. Isso permite que a equipe de produto explore várias opções e evite limitar seu pensamento criativo.
- Uma vez que as ideias tenham sido geradas, elas devem ser avaliadas com base em três critérios: customer desirability (desejabilidade do cliente), business viability (viabilidade do negócio) e feasibility (viabilidade técnica). A equipe de produto deve avaliar cada ideia com base em como ela atende às necessidades e desejos do cliente, se é viável financeiramente e se pode ser implementada tecnicamente.
O mapa de ideias pode ser dividido em duas dimensões antes dos testes: importância e evidência. Importância refere-se à importância percebida da ideia, enquanto a evidência se refere à quantidade de evidências que suportam a ideia. Isso ajuda a equipe de produto a priorizar as ideias mais promissoras e reduzir o risco de fracasso do produto.
Depois que as ideias forem avaliadas, a equipe de produto deve testar suas suposições. Isso envolve a criação de protótipos e experimentos para avaliar a viabilidade técnica e a aceitação do cliente. É importante envolver as pessoas certas nos nesse estágio para garantir que os resultados sejam representativos e relevantes para a equipe de produto, elas são clientes que sejam representativos do público-alvo do produto. Ao fazer isso, o time pode obter insights valiosos que ajudam a validar ou refutar as suposições subjacentes às ideias de soluções em potencial.
Os experimentos devem ser projetados para tentar mover as ideias da direita para a esquerda no mapa, gerando evidências de que as soluções propostas tem o impacto desejado para então ajustar e desenvolver o produto com base nos resultados do teste.
Conclusão
Por fim, a ideia por trás da abordagem de Continuous Discovery Habits é que o trabalho não termina com a entrega do produto. Ele continua com a medição dos resultados e impactos e geração de novos product outcomes. Dessa forma o loop do processo torna-se iterativo, permitindo que o Product Trio aprenda e evolua constantemente, criando situações cada vez mais valiosas para o cliente e para a empresa.
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