Em “O Poderoso Chefão” o personagem fala a seguinte a frase: “Mantenha seus amigos perto, mas seus inimigos mais perto ainda”. Já parou pra pensar que nunca ouvimos a explicação para essa afirmação? É apenas algo que nós aceitamos, rejeitamos, ou apenas esquecemos.
O interessante sobre isso é que, se investigarmos um pouco sobre psicologia social e economia comportamental, acabamos entendendo o contexto da frase – ou seja, isso tem base científica e os Corleones apenas estavam à frente do seu tempo nesse sentido.
Aqui está o motivo: Os sapiens são animais sociais. Nossa espécie evoluiu de uma forma que a parte social do nosso cérebro é quem dita o que nós aceitamos ou rejeitamos.
Yuval Noah Harari explica em Sapiens que os homo sapiens coabitaram a Terra junto aos neandertais – que eram mais altos, mais fortes e mais rápidos que nós.
Se um sapiens entrasse em confronto com um neandertal, ele seria massacrado sem dificuldade. Bom, mas nós sabemos quem comanda o planeta agora, né? Os sapiens sumiram com os neandertais. E o motivo disso foi que, apesar de os sapiens serem mais fracos fisicamente em todos os sentidos, nosso cérebro (social) possibilitou nossa espécie de se conectar uns aos outros, formar grupos, criar estratégias, planejar e colaborar para agir de forma coordenada. Neandertais não possuíam essa habilidade. O cérebro deles não era construído daquela forma, então acabavam lutando sozinhos contra um grupo de sapiens. E foi dessa forma que os sapiens dizimaram os neandertais: conspirando e lutando em grupo contra eles.
Após os neandertais sumirem da Terra, o cérebro dos sapiens continuou a replicar o mesmo comportamento (não é possível desativar ou desconstruir uma parte do cérebro de uma espécie, muito menos uma parte tão importante): criar conexões com outros indivíduos com os quais eles se identificam, colaboração mútua… só que agora a competição acontece entre os próprios sapiens.
Então como o cérebro dos sapiens sabe diferenciar com quem se conectar e contra quem competir?
Para responder essa pergunta, precisamos trazer alguns truques que nosso cérebro tem:
- Nós tendemos a pensar que nosso cérebro presta atenção ao que ele julga ser importante. Mas, na verdade, o que acontece é bem diferente: nosso cérebro atribui importância ao que chama sua atenção. Isso significa que, se quisermos que algo se torne importante para alguém, faça com que esse algo chame sua atenção.
- Sapiens têm dificuldade em diferenciar algo familiar de algo que é certo. Isso significa que para algo parecer certo, esse algo precisa se tornar algo frequente.
- Do ponto de vista de sobrevivência, nós temos diferentes níveis que atribuímos às nossas conexões: primeiro eu, depois um segundo nível, depois um terceiro nível, e assim por diante – família e amigos próximos, depois pessoas com quem nos importamos, etc. Psicólogos chamam isso de “A Extensão do EU”. Primeiro nós protegemos a nós mesmos, depois nossas extensões. Isso é facilmente evidenciado em competições esportivas: em competições locais, nós torcemos para as pessoas de nossa cidade. Em competições nacionais, torcemos para as pessoas do nosso estado. Nos Jogos Olímpicos, torcemos para qualquer pessoa do nosso país, independente de sua cidade/estado.
Seja a “extensão do EU” de seus stakeholders
Agora, deixe-me contar uma história que aconteceu comigo: eu era Gerente de Produto em uma empresa e lidava com duas grandes organizações dentro da companhia. A primeira organização (vamos chamar de A) era representada por dois stakeholders. A segunda organização (vamos chamar de B) era representada por três stakeholders.
Eu tinha uma reunião com essas cinco pessoas toda segunda, quarta e sexta. O objetivo daqueles encontros semanais era garantir que eles estivessem a par do que nós estávamos fazendo, sanar dúvidas sobre os detalhes, conseguir suporte com priorizações etc. Mas mesmo que eles não aparecessem, havia outras formas de conseguirmos as informações necessárias para o time seguir com o trabalho. Aquelas calls eram “apenas” para o gerenciamento de expectativa dos stakeholders.
Por algum motivo, os stakeholders da organização B não apareciam nas reuniões. Nós continuávamos apoiando e trabalhando com a empresa deles da mesma forma que fazíamos com a organização A. A única diferença era que os stakeholders da empresa A apareciam nos encontros, mas os da B não.
Depois de um tempo, a minha supervisora veio compartilhar comigo que os stakeholders B estavam fazendo reclamações, dizendo que eu não estava dando suporte à organização deles. Eu respondi: “Nós estamos nos comunicando com eles e alinhando as expectativas. O único motivo para eles estarem com essa percepção é o fato de eles não estarem entrando nas reuniões.” Ela foi cética, mas eu mostrei a ela e comparei todos os tickets em que trabalhamos para ambas as organizações, junto às comunicações que eu havia enviado.
Após verificar as evidências, ela concordou que eles tinham apenas uma impressão errada do que estava acontecendo, e jogou a bola de volta para mim: “COMO você pretende resolver isso?”. Eu disse: “O mais importante de tudo é garantir que eles vão entrar nas reuniões. Vou verificar se eles precisam que os encontros sejam em outro dia ou em outro horário. Se precisar, eu reagendo. Vou reforçar a importância da participação deles e fazê-los se sentirem importantes. Assim que acertarmos dia e horário farei uma coisa a mais. Vou alterar o título da reunião para ‘Dia da Organização B’. Dessa forma, eles vão sentir uma conexão maior com a call.”
Apenas algumas semanas depois, minha gestora me ligou novamente e disse que os stakeholders estavam muito felizes com o novo direcionamento, e que podiam ver o quanto meu time estava alinhado com eles.
A única coisa que mudou foi a participação deles nas reuniões – isso significa que, daquele ponto em diante, eles podiam SENTIR o que nós estávamos fazendo. Eles podiam SENTIR nossas dores nas priorizações. Nós compartilhávamos experiências e o sentimento de sermos todos do mesmo time. Nós éramos a “extensão do EU” uns dos outros.
Conclusões
- Mesmo que você faça o trabalho corretamente, não são tickets ou releases que farão seus stakeholders sentirem que você está cuidando deles. Eles são sapiens e o cérebro social deles é mais forte que tudo.
- Quando os stakeholders não estão perto de você, eles se tornarão seus inimigos muito rapidamente, e questionarão tudo o que você faz.
- Quando os stakeholders começam a questionar seu trabalho, não é o cérebro lógico deles que está fazendo os questionamentos. É o cérebro social. Uma vez que vocês não estão incluídos na mesma extensão, eles não se sentem parte do seu time, as coisas não são familiares, então tudo parece estranho e errado, mesmo que tudo esteja certo.
- A forma de reparar isso é trazendo os stakeholders para perto. Você precisa encontrar uma maneira de criar uma conexão com eles, seja pessoalmente ou por reuniões. Compartilhar experiências, decisões, problemas e dores, colaborar nas priorizações e na criação de soluções. Em outras palavras, você precisa ser uma presença frequente para eles para que o cérebro social deles trabalhe a seu favor.
- No outro lado da moeda, se você for o stakeholder e se pegar questionando o que outra pessoa ou outro time está fazendo, segure o ímpeto de expressar suas preocupações e questionamentos. Em vez disso, aproxime-se do time com uma frequência constante. Isso fará com que você se sinta conectado a eles e ao que eles estão fazendo. Você se sentirá parte do time e da mesma “Extensão do EU”. Aquela frase de Abraham Lincoln é perfeita pra este momento: “Eu não gosto daquele homem. Preciso conhecê-lo melhor.”
Os Corleones sabiam de tudo isso. Ao manter seus inimigos mais próximos que seus amigos, eles garantiam que seus inimigos os viam como a “extensão” deles. Por isso, eles diziam: “Mantenha seus amigos perto, mas seus inimigos mais perto.” E, no mundo de Product Management, eu complemento com: “… e seus stakeholders mais perto ainda”.
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