Discovery é o processo de levantar informações, descobrir oportunidades e propor possíveis soluções valiosas e úteis para os usuários, ao mesmo tempo que viáveis e factíveis para a empresa. O objetivo é aprender rápido, por meio de experimentação, e então validar ou invalidar hipóteses, de forma a descobrir o que é valor para os usuários dado um determinado problema.
Não existe receita de bolo sobre como levantar informações neste processo. Porém, existem diferentes maneiras, metodologias e técnicas de pesquisa para você aplicar no seu contexto.
Na empresa que trabalho, o time de Produto recebeu o desafio de revisar um dos produtos do portfólio com o objetivo de melhorar seu uso e possibilitar o aumento do ticket médio a partir do lançamento de novas funcionalidades. O produto contempla 2 tipos de usuários e sua usabilidade estava dificultando o uso de ambos os perfis, impactando no valor percebido do nosso produto.
Para isso, o time de produto da Smarket seguiu três passos para realizar este Discovery:
- Entendimento do problema
- Levantamento de dados
- Síntese dos dados
A seguir, vou explicar melhor cada uma das etapas e um pouco de como foi esse nosso processo.
Definindo o seu problema
Albert Einstein dizia que “se tivesse uma hora para resolver um problema, passaria 55 minutos pensando sobre o problema e 5 minutos pensando sobre a solução”.
E você vai entender a importância de entender o problema a partir da seguinte situação, que aconteceu em uma empresa de transportes e é retratado no livro “gerenciamento pelas diretrizes” de Falconi:
Durante uma reunião de uma empresa de transportes, houve o seguinte diálogo:
Gerente: Estamos com problema de falta de caminhão
Diretor: O seu objetivo é ter muitos caminhões?
Gerente: Não, o objetivo do meu trabalho é transportar cargas.
Diretor: Então, qual é a sua meta?
Gerente: Transportar 120.000 toneladas por mês. Essa é a demanda do mercado.
Diretor: Quanto você está conseguindo transportar?
Gerente: 100.000 toneladas por mês.
Diretor: Então qual é o seu problema?
Gerente: Meu problema é: incapacidade de transporte da demanda de carga.
Diretor: Então vá e resolve o seu problema
O gerente levantou informações para conhecer melhor o problema e descobriu que os caminhões paravam muito na oficina e na estrada. Na oficina, às vezes formavam filas para atendimento e faltavam peças. Descobriram que não havia manutenção preventiva programada dos caminhões, não havia procedimento de socorro aos caminhões na estrada, e fazia tempo que não se dimensionava o estoque de peças. Com isso, definiram três soluções:
- Estabelecer uma programação de manutenção (para evitar filas);
- Redimensionar o estoque de peças (para evitar a falta de peças);
- Estabelecer uma programação de socorro (para evitar caminhão parado na estrada durante muito tempo).
Após a implementação das soluções, a meta de transportar 120.000 toneladas de cargas por mês foi atingida e foi possível reduzir a frota de caminhões.
Esse exemplo mostra que a definição correta de um problema pode alterar completamente o processo de tomada de decisões.
Para iniciar o Discovery, tenha clareza do problema que você está tentando resolver e o contexto do mesmo.
Uma ferramenta simples que pode ajudar você na descoberta do problema é a aplicação dos 5 porquês. Ela consiste em perguntar 5 vezes o porquê de um problema relatado. Nem sempre será necessário realizar a pergunta de fato as 5 vezes, em alguns casos podemos encontrar a causa raiz no terceiro porquê.
Para iniciar o Discovery, em um Miro respondemos a pergunta: por que estamos fazendo o discovery desse produto?
Com o levantamento, foi possível sintetizar o problema e o motivo de estarmos fazendo o discovery do produto.
Levantando dados
Com o problema desenhado, definimos 5 etapas de levantamento de dados que serviram de base para a ideação da solução.
1. Mapa da história do usuário
Neste artigo, expliquei na etapa de “entendimento dos produtos”, o processo feito para mapear as histórias de usuários dos nossos produtos. Com o mapa desenhado, fizemos a análise de quais os principais pontos de melhoria do produto.
Uma das principais análises foi que o fluxo era trabalhoso e permitia o usuário cometer erros por problemas de usabilidade.
2. Concorrentes
Fizemos o levantamento dos dois principais concorrentes e utilizamos a ferramenta gráfica de curva de valor criada pelos autores W. Chan Kim e Renee Mauborgne no livro A Estratégia do Oceano Azul (sainda mais sobre essa estratégia aqui). Esta ferramenta possibilita a análise comparativa dos valores de um negócio de maneira simples e objetiva.
No Eixo X, preenchemos os atributos de valor para fazer a comparação com os concorrentes e no Eixo Y, criamos uma escala de pontuação. Com isso, foi possível criar um gráfico comparativo para análise posterior.
Esta imagem ilustra o resultado final da análise dos critérios da nossa solução comparada com a dos outros concorrentes. Conseguimos entender no que estamos indo bem e o que podemos melhorar. Além disso, elaboramos um quadro de pontos fortes e pontos a melhorar de cada concorrente.
3. Dados de uso do produto
O time fez o levantamento de alguns dados para entender o uso do produto para tirar insights a partir dos próprios usuários. Foi feito um relatório com os principais gráficos e uma análise com insights.
Uma das grandes surpresas foi descobrir que uma funcionalidade era mais utilizada que outra. E essa “surpresa” foi por não termos ainda uma cultura de dados de produto bem estabelecida e dashboards para nos apoiar diariamente nas decisões da área.
4. Entrevistas
Realizamos entrevistas em profundidade que são realizadas para o entendimento sobre as percepções dos usuários (impressões,motivações, necessidades, aspirações) e não sobre a usabilidade de uma interface.
Para planejar a pesquisa, utilizamos o checklist da aula da Izabela Escanhoela do curso de Product Discovery:
- Tenha claro o objetivo da pesquisa;
- Crie um recorte para a sua pesquisa;
- Estruture a logística;
- Crie o seu roteiro (narrativa);
- Faça uma entrevista piloto para revisão do roteiro e formato;
- Realização das entrevistas.
Realizamos 8 entrevistas de profundidade com os clientes que utilizam o nosso produto e o foco foi entender além do uso do produto e sim entender o processo completo.
Os usuários não querem o seu produto/funcionalidade ou o que ele faz. Eles querem ajuda para melhorar suas vidas. As pessoas têm “tarefas” que precisam ser realizadas! Por isso, a principal dica é estruturar roteiros que contemplem o entendimento de quais tarefas os usuários estão tentando realizar.
Todas as entrevistas foram gravadas (não esqueça de pedir o consentimento do cliente) e transcrevemos as reuniões para não perder nenhuma informação relevante.
Esta etapa permitiu entender todas as ferramentas complementares que os usuários utilizam para usarem melhor nossa solução e nos ajudou a entender grandes oportunidades que ainda não estão resolvidas no produto.
5. Observação em contexto
Para finalizar o levantamento de dados, utilizamos a técnica de observação em contexto, que é uma estratégia utilizada quando decidimos de fato “olhar pelos olhos do usuário” e entender todo o ecossistema em volta, ao invés de apenas o momento específico em que está interagindo com a interface. Diferente da entrevista, é uma abordagem comportamental, na qual conseguimos de fato ver como/o que as pessoas fazem, ao invés de ouvirmos os relatos.
O uso do nosso produto se dava no primeiro horário de abertura de um supermercado para os colaboradores, por volta das 5h30 da manhã. Acompanhamos todo o processo feito pelo usuário do nosso produto.
Umas das coisas mais interessantes foi descobrir as “gambiarras” feitas pelos usuários para resolver problemas que não tínhamos mapeado. Estar no dia a dia do cliente nos trouxe insights relevantes e conseguimos entender quais eram os pontos de dores na jornada deles. Nesse processo, fomos “sombras” dos nossos usuários.
Sintetizando os dados
Em cada etapa do levantamento dos dados, o time fez um relatório sintetizando todas as informações e os principais insights.
Já para as entrevistas, reunimos em uma planilha os principais achados dividindo a análise por critério e por cliente. Utilizamos as entrevistas transcritas para fazer esta análise.
Após a análise das entrevistas, compilamos os principais insights em um quadro que trazia qual era a funcionalidade, análise das principais descobertas, trechos das entrevistas que justificaram a análise e oportunidades para o produto. Este quadro foi feito para cada funcionalidade analisada.
Com as informações organizadas, foi possível desenhar as principais dores dos usuários que utilizam a nossa solução em cada etapa da jornada deles.
Ao final de cada análise, conseguimos criar um quadro resumindo as principais dores identificadas e a explicação sobre elas.
Conclusão
O processo de Discovery na empresa ainda não estava estruturado e este primeiro trabalho serviu para mostrar o valor e importância de estar constantemente ouvindo os clientes e, principalmente, suas dores. O time mudou o mindset de apenas escutar os pedidos de funcionalidades, para entender o que o cliente realmente está tentando resolver.
Quantas vezes nos deparamos com pedidos de exportação de uma planilha? Isso é apenas um exemplo de que se não nos aprofundarmos no que o cliente está tentando resolver com a exportação, podemos perder uma grande oportunidade de criação de valor do nosso produto.
E no processo de Discovery não esqueça que o objetivo é aprender rápido e reduzir riscos de construir algo que não gere valor para o negócio e os usuários. Talvez, na etapa de levantar informações o resultado do seu Discovery trará uma recomendação para seguir com a solução… Mas saiba que é muito mais barato do que esperarmos chegar na etapa de Delivery e perceber que estamos construindo a funcionalidade errada.
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