Como usar o Dual track agile no processo de Discovery - Cursos PM3
Lucas Rosa

Lucas Rosa

11 minutos de leitura

No início de uma ideia que queremos construir, temos muita incerteza sobre o problema, o escopo, o que estamos construindo, por que, como… trazendo diversos riscos para o sucesso no nosso produto ou feature. Precisamos então, reduzir nossas incertezas para criar produtos que funcionam e que pessoas utilizem.

Lidar com os riscos durante o estágio de desenvolvimento ou depois de pronto custa muito caro. Portanto, para reduzir a incerteza, devemos enfrentar os riscos antecipadamente, e não no estágio de desenvolvimento. Por isso, precisamos ter uma etapa anterior ao desenvolvimento para reduzir as incertezas, e essa etapa é conhecida por discovery.

O objetivo do discovery é atacar riscos importantes o mais cedo possível. Reduzindo a incerteza, tornando mais fácil e certo de que a equipe terá sucesso.

É importante notar que, quando começamos a desenvolver as coisas, não significa que toda a incerteza se foi. Nós definitivamente encontraremos problemas e aprender à medida que desenvolvemos. No entanto, o objetivo do discovery é ter os principais riscos fora do caminho.

Como fazer discovery sem voltarmos ao antigo modelo de Waterfall?

A ideia do discovery não é ser um processo em que o Product Manager (PM) cria uma especificação, passa para o Product Designer (PD) prototipar e testar e depois para os engenheiros construirem.

“Se a primeira vez que seus desenvolvedores veem uma ideia é no planejamento de sprint, você falhou.”

— Marty Cagan

Para evitar cair nessa armadilha, existe um modelo de trabalho chamado de Dual-track. Um modelo em que o time de produto percorre dois caminhos (tracks) paralelos e simultâneos, o caminho de discovery e outro de delivery.

No Dual-track, enquanto o time de engenharia desenvolve uma solução, outra parte do time foca em validar e especificar as soluções que serão construídas mais para frente. Sendo o discovery de responsabilidade* do PM, Product Designer e Tech Lead, e o propósito garantir que tenhamos evidências suficientes de que, quando pedirmos aos engenheiros para construir o produto, não será esforço e tempo perdido.

*Responsabilidade não significa que são os únicos que participam.

Dual-Track Agile, by Jeff Patton.

O que acontece na track de desenvolvimento já é muito bem conhecido por todos: existe uma lista de tarefas priorizadas (backlog), os engenheiros desenvolvem as tarefas, testam e colocam no ar. Porém, muitas vezes o que acontece antes dessas tarefas chegarem ao backlog ainda não está claro para todos.

As tarefas que chegam ao backlog nada mais são que oportunidades, ideias ou problemas a serem resolvidos. Como não temos tempo nem pessoas suficientes para todos os itens, precisamos ter certeza de que o time de engenharia não perderá tempo trabalhando em algo que não vai para o ar ou que ninguém vai usar.

Logo, segundo Marty Cagan, devemos considerar 5 principais riscos durante nosso discovery:

  • O cliente vai comprar ou usar? (Valor)
  • Essa solução funciona para o nosso negócio? (Viabilidade de Negócios)
  • Devemos construir isso? (Ética)
  • O usuário consegue entender como usar? (Usabilidade)
  • Conseguimos construir isso? (Viabilidade técnica)

Riscos

A seção a seguir é um simples resumo do livro Inspired e Empowered do Marty Cagan.

Valor

Sempre temos mais ideias do que braço para construir, logo devemos procurar ter boas evidências de que esta é a decisão certa a se fazer. Para avaliar o valor, podemos fazer testes de demanda quantitativo e qualitativo.

Viabilidade de negócio

  • Podemos pagar essa solução? (Financeiro)
  • Essa solução funciona para nossos parceiros? (Negócio)
  • Esta solução é compatível com a nossa marca? (Marketing)
  • Essa solução é algo que nossa equipe de vendas pode vender? (Vendas)
  • Isso é algo que podemos fazer do ponto de vista legal ou de conformidade? (Jurídico)

Dica: Entenda o contexto do seu negócio, nem sempre você precisará se dedicar extensivamente a todas essas áreas. Exemplo: empresas como FinTechs são altamente reguladas, logo exigem mais do PM para avaliar riscos regulatórios e de Compliance. Além disso, não apenas consulte, tente trazê-las mais perto da construção.

Ética

“No passado, as empresas tinham uma única parte interessada – o acionista. Faça o que é bom para os resultados financeiros. Essa é uma abordagem que levou muitas empresas a pensar em tudo no curto prazo, atingindo o número trimestral. E também incentiva muitos comportamentos que estão cada vez mais sendo reconhecidos como antiéticos e fazendo com que mais e mais pessoas percam a fé nas empresas. Acerte o número e não se preocupe se o que você está construindo é realmente bom para seus clientes, ou para o meio ambiente, ou para seus parceiros, ou para o mundo em geral. ”

— Rob Chesnut

Não existe fórmula para avaliar algo eticamente, mas Rob Chesnut sugere as seguintes perguntas para te ajudar na avaliação:

  • A solução do produto será boa para o cliente final?
  • Tem impacto negativo no meio ambiente de alguma forma ou em terceiros na comunidade?
  • É algo que, se todos os e-mails, documentos e discussões sobre o produto fossem publicados online, você ficaria envergonhado?
  • Como os reguladores do governo reagiriam se soubessem de tudo?
  • O produto será algo de que você se orgulhará como parte de sua marca pessoal?

Usabilidade

O objetivo é obter uma compreensão mais profunda de seus usuários e clientes e, é claro, identificar os pontos de atrito no protótipo para que você possa corrigi-los. Pode ser nomenclatura, fluxo, problemas de design visual ou problemas de modelo mental, mas assim que você achar que identificou um problema, basta corrigi-lo no protótipo.

“O design não é apenas a aparência e a sensação. Design é como funciona ”

— Steve Jobs

Viabilidade técnica

Precisamos garantir a viabilidade técnica antes de decidirmos construir, não depois. Isso não só acaba economizando muito tempo perdido, mas verifica-se que obter a perspectiva do engenheiro mais cedo também tende a melhorar a própria solução e é fundamental para o aprendizado compartilhado.

Quando falamos sobre validação de viabilidade, os engenheiros estão realmente tentando responder a várias perguntas relacionadas:

  • Nós sabemos como construir isso?
  • Temos as habilidades na equipe para construir isso?
  • Temos tempo suficiente para construir isso?
  • Precisamos de alguma mudança arquitetônica para construir isso?
  • Temos em mãos todos os componentes de que precisamos para construir isso?
  • Nós entendemos as dependências envolvidas na construção disso?
  • O desempenho será aceitável?
  • Será que vai escalar para os níveis de que precisamos?
  • Temos a infraestrutura necessária para testar e executar isso?
  • Podemos pagar o custo para fornecer isso?

Nesta etapa, devemos examinar pontos como:

  • Questões de algoritmo
  • Preocupações de desempenho
  • Questões de escalabilidade
  • Questões de tolerância a falhas
  • Uso de uma tecnologia que a equipe nunca usou antes
  • Uso de um componente ou serviço de terceiros que a equipe não usou antes
  • Uso de um sistema legado que a equipe não usou antes
  • Dependência de mudanças novas ou relacionadas por outras equipes

Não se assuste com a grande lista, ela serve apenas para ajudar, não é como se você tivesse que criar um grande relatório sobre cada item.

Como aplicar no dia a dia?

Beleza, muitos de vocês já leram Inspired (Marty Cagan), sabem a teoria, porém enfrentam problemas para fazer para esse trabalho fluir melhor. Para fazer com que isso aconteça é um trabalho extenso e leva bastante tempo e esforço da liderança, porém deixo aqui algumas dicas que funcionaram para mim.

  • Tenha o time comprado na mudança de forma de trabalho.

Muitas vezes os engenheiros, tech-lead e até designers não conhecem a fundo os conceitos e práticas de Discovery. Além disso, muitas vezes o time possui diversas dores que um bom discovery resolveria.

Logo, entenda as dores que o time possui e mostre como o processo de discovery pode melhorar o trabalho de todos. Marque uma apresentação para o time, explique o que é Discovery, quais as etapas, quais os riscos e por que é importante.

  • Construa a cultura e processo com o time.

Não saia criando regras e estabelecendo processos de como fazer as coisas. Discovery não tem uma fórmula ou passo a passo, cada problema e time tem métodos e necessidades diferentes. O mais importante é que o time entenda e pegue gosto pela coisa.

O que costumo fazer é ter uma dinâmica com o time, atacando uma solução hipotética que queremos fazer. Nessa dinâmica, tente passar por todos os 5 riscos, estabelecendo com o time como avalariam os riscos, quais métodos usariam, artefatos criados durante o processo e evidências coletadas. Simule o mundo perfeito, até chegar na etapa em que o time sinta que teriam elementos suficientes para desenvolver e que todos os riscos foram avaliados.

Exemplo:

  • Discovery não é só do PM e do Designer.

Por mais que cada risco possua uma pessoa que seja o mais responsável, os 3 (PM, PD e TL) devem participar e estar cientes de todas as etapas. A ideia não é que cada um faça sua parte e passe o bastão para o próximo.

Além disso, é muito importante os inputs do restante do time (engenharia, marketing, ux research…). Logo, crie dinâmicas ou cerimônias para coletar feedback.

  • Comunique constantemente o que acontece em Discovery.

Vejo inúmeras dailies de engenharia onde só é apresentado e discutido o board de desenvolvimento. Pessoalmente eu gosto que Designers e PMs estejam presentes nas dailies e que seja, diariamente, mostrado o que está no board de discovery.

Será um excelente momento para o time lembrar o que estar por vir, fazer perguntas, levantar preocupações e dar ideias.

  • Tenha um board de discovery.

O board de discovery vai te ajudar como PM a se organizar melhor e também facilita na comunicação com o time e stakeholders. Com os engenheiros vendo o board de discovery todos os dias, as pessoas sabem o que estar por vir, discutem e trazem novas ideias e ajudam a avaliar riscos.

As etapas (colunas) do board vão depender de time para time. Caso não saiba por onde começar, crie uma coluna para cada risco e depois itere em cima disso.

Exemplo de board de discovery

Alerta: O board de discovery cria a impressão que existe um passo a passo, uma ordem correta do que fazer primeiro. Diferente do board de desenvolvimento, é importante lembrar ao time que o board de discovery não precisa seguir a ordem correta. Exemplo: Em alguns casos é muito mais eficiente você avaliar o risco técnico antes do risco de usabilidade.

  • Lançar e medir também é discovery.

Nem tudo você tem que ter um extenso processo de discovery, seu objetivo é descobrir que ideias necessitam de mais atenção e quais outras você pode acelerar e testar rapidamente. Os 5 riscos não são uma regra, eles servem somente como um guia.

A solução tem pouco esforço e baixo risco? Você construir rapidamente, lançar e medir é um tipo de discovery.

Conclusão

À primeira vista, parece um processo extenso, mas não deveria ser. Devemos sempre tentar encontrar um equilíbrio entre construir a coisa certa, construir da maneira certa e construir rapidamente.

Fazer isso não é fácil, o truque é descobrir como dividir as entregas em pequenas partes, que agreguem valor e nos permita aprender mais rápido.

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