Quando falamos sobre Product Growth, o principal desafio é encontrar novas formas de adquirir mais usuários e da forma mais rápida, barata e escalável possível. Entretanto, não adianta nada você encontrar as alavancas do seu negócio se o balde estiver furado.
Há uma analogia que diz que uma empresa que não se preocupa com a retenção do seu cliente é como um balde furado: você pode encher com água até a borda, mas vai começar a vazar no mesmo instante em que a água entrar.
Acontece algo parecido com negócios que estão preocupados demais em trazer um novo cliente e se importando de menos em engajar e reter os que já conquistaram. O cliente tem uma ótima primeira experiência, recebe um cupom agressivo, tem toda a atenção do mundo. Mas dali pra frente é só pra trás.
Quando falamos de empresas na área tech (SaaS, fintechs, apps de uma forma geral) a barra é ainda mais alta, e os usuários nesse mercado já estão mais mal-acostumados, por dois principais motivos:
- É um meio muito disruptivo em relação aos negócios mais tradicionais. Sendo assim, as coisas evoluem muito mais rápido, inclusive as estratégias;
- A tecnologia facilitou muito para as empresas pudessem oferecer uma experiência excepcional para seus clientes. Para qualquer problema existe uma ferramenta que ajuda no processo.
Com isso, aquilo que algum tempo atrás era considerado como uma experiência incrível, está ficando cada vez mais “comoditizada”. Isso acaba diminuindo a percepção de valor que o cliente tem sobre o esforço que você fez. Isso pode variar dependendo da frequência com que você utiliza determinada estratégia.
Tendo dito isso e pensando em como mudar esse cenário, aqui vou abordar os seguintes tópicos:
- O próximo passo
- O que são features de engajamento
- Os 4 pilares
- Cases e tipos de feature de engajamento
- Dicas para aplicar
O próximo passo
Afim de entender como as empresas estavam se diferenciando e evoluindo suas estratégias de retenção, fui fazer benchmarking com alguns apps para entender as notificações que iria receber, e-mails marketing, mensagens in-app, SMS, etc.
Bom, deu para tirar alguns insights olhando o “básico bem feito”, mas percebi que alguns negócios estavam dando um passo a mais em suas estratégias de engajamento. Estavam indo além do famoso básico (que virou uma obrigação).
Eles estavam criando features dentro de seus produtos com o objetivo principal de gerar valor ao usuário. Essas features tinham algumas particularidades que as tornavam especiais (vou comentar sobre elas adiante). Mas o que mais me chamou a atenção é que, depois que notei isso, vasculhei todos os apps ou ferramentas web que vinham em mente e a grande maioria não tinha nada igual dentro de seus produtos. Algo tão simples e que pode ser game-changer para o negócio.
Mas antes de avançar, gostaria de fazer 2 considerações:
- Isso é um diferencial, e um diferencial só é de fato um quando você já executa o “arroz com feijão” com maestria e ainda entrega algo a mais. Então se você não tem nem o básico bem feito, vá arrumar a casinha e só depois comece a executar aquilo que vai te diferenciar;
- Ao longo do artigo vou focar mais em apps (pois é o que está mais próximo da minha realidade e por isso foi meu foco de estudo), mas isso não significa que a estratégia não possa funcionar com negócios que não tenham um app. Tudo é teste.
O que são features de engajamento?
As features de engajamento são features criadas e inseridas dentro do app com o principal objetivo de gerar valor ao usuário sem que ele tenha que pagar por isso. E acabaram se tornando necessárias por 2 motivos:
- Ticket médio do produto: o preço do produto pode fazer a pessoa ser mais conservadora na tomada de decisão;
- Frequência de compra: por mais que a pessoa goste muito do produto, ele não foi feito para ser consumido todo dia. No caso da Singu, por exemplo, por mais que a cliente ame pedir manicure pelo app, ela não vai fazer as unhas todos os dias.
Isso faz com que essa categoria de feature seja uma “mão na roda” para fazer com que o app ainda seja um agregador de valor na vida do usuário e não apenas um app a mais que ele só abre 1 vez na semana (ou no mês). Ou seja, o produto passa a criar um vínculo entre cliente e empresa.
Os 4 pilares
Existem estratégias parecidas com essas features, mas os detalhes que fazem parte dela são o que a tornam especial e única. Identifiquei alguns padrões e agrupei em 4 pilares essenciais para a construção de uma feature de engajamento ideal.
1. Gerar valor ao usuário sem que ele tenha que pagar por isso
Um dos conceitos de gestão de produto que eu mais admiro é o de primeiro gerar valor ao usuário e só depois cobrar ele por isso. Ele precisa sentir que o que você oferece, de fato resolve uma dor que ele tenha.
Quando levamos esse conceito para as features de engajamento, damos um passo além, pois não vai ter a etapa da cobrança. O objetivo aqui é dar mais um motivo para o seu usuário lembrar de você. Clicar em um push, abrir o app em um dia que ele não compraria o seu produto, manter ele conectado com a marca, seja pensando nela em outras ocasiões.
Faça a seguinte pergunta: “Se o meu cliente não pagar nada, ele ainda consegue extrair algum tipo de valor do meu app?”
Se a resposta for “não”, pense melhor a respeito. O seu cliente de hoje pode ser o churn de amanhã. Você está deixando de lado oportunidades de conectar e engajar seu usuário com a sua marca e, com isso, de se tornar um cliente fiel.
2. Ser independente e ter correlação direta com o nicho do negócio
As features de engajamento são geralmente uma solução à parte dentro do app (bem mais simples, óbvio!). Mas ainda sim, são independentes. Em outras palavras, se você tirasse tudo e deixasse apenas elas, ainda seria um app que o usuário gostaria de ter na lista.
Porém, mesmo que elas sejam independentes, precisam fazer sentido para o nicho em que o negócio atua. Lembre-se: precisa ter relação com o nicho e não com o produto ou modelo de negócio em si. Nessa hora, é importante estudar o seu cliente e saber quais são os Jobs to be Done dele. A base da sua feature de engajamento pode estar lá.
3. Deve servir de base para criar loops de retenção para o negócio
Não vou entrar em detalhes sobre os Growth loops. Mas, nos benchmarks que vi, a maioria das comunicações que eu recebia era de um trigger que me levava de volta à feature, como se o app precisasse de mim naquele momento para executar alguma ação. Isso gera um hábito no usuário, pois faz com que ele se acostume em abrir o app com mais frequência e considerar o seu produto em mais ocasiões.
Leia também: Modelo Gancho: como criar produtos formadores de hábitos
4. Deve ser de uso contínuo
Quando pensamos em um quiz, você responde, recebe um resultado e aquilo passa a não ter mais nenhum valor para você. No caso dos quizzes da BuzzFeed, por exemplo, não há motivo para entrar e fazer o mesmo teste de novo. Ao contrário disso, as features de engajamento são pensadas para serem melhoradas e consumidas continuamente.
Cases e tipos de feature de engajamento
Durante o estudo, pude observar alguns cases de features que se apoiavam em conceitos diferentes, então resolvi organizá-los nas respectivas categorias.
Zenklub: um tipo diferente de engineering as marketing
A Zenklub é um app que permite agendar terapias online. O app ainda oferece uma série de conteúdos para ajudar o usuário em sua jornada de autoconhecimento.
“Meu diário“
O “Meu Diário” é uma feature criada pela Zenklub com o objetivo de fazer com que o usuário registre suas emoções diárias e as principais causas dela. Em seguida você recebe uma análise da evolução semanal das suas emoções e os assuntos que mais tem interferido nelas.
A jornada funciona assim:
- O usuário recebe um push pedindo para que ele registre sua emoção do dia;
2. O app resume as principais emoções em emojis para o usuário selecionar, e então pergunta as principais causas;
3. O app registra as emoções em um calendário e, assim que coleta dados suficientes, desbloqueia a análise das suas emoções.
Além da feature estar presente no menu do perfil, ela também ganhou espaço na home com um banner:
Vale mencionar ainda que você também pode alterar o horário em que deseja receber o lembrete.
Análise rápida:
- Uma sessão de terapia geralmente ocorre semanalmente, isso significa que o usuário poderia ficar dias sem abrir o app;
- A feature por si só gera valor para o usuário sem cobrar por isso (pelo menos até o momento, não me cobraram nada e nem apareceu nenhum tipo de oferta para pagar para usar o “Meu diário”);
- É uma feature independente que tem relação com o nicho de saúde mental. Se deixassem somente isso, ainda haveriam muitos usuários satisfeitos em registrar suas emoções em um diário;
- Todo dia o app envia um push que o usuário está esperando receber. Não é um spam com uma oferta, é o app chamando o usuário para fazer algo;
- É de uso contínuo. A ideia é que o usuário utilize isso pelo resto de sua vida. Diferente de um quiz que perde valor assim que o usuário responde. Nesse caso, quanto mais ele usa, mais valor ele percebe.
“Dica do dia”
Mais simples do que o “Meu diário”, a “Dica do dia” é uma feature que… dá uma dica do dia. Simples e objetiva!
Veja como funciona a jornada do usuário:
- O usuário clica no banner localizado na home do app;
2. É acionado um chatbot ,que na mesma hora mostra uma dica para o usuário. Ele também pode clicar na opção “Saiba mais” e ter mais detalhes sobre aquela dica;
3. Após mostrar mais detalhes sobre a dica, o bot pergunta se você deseja ler mais uma. Se disser que sim, então ele reinicia o fluxo com uma nova dica, só que se você avança até o final ele te oferece um produto pago.
Análise rápida:
- O usuário recebe a dica do dia sem precisar pagar por isso. Ele só vai receber uma oferta se ir muito além na jornada. Ou seja, a feature primeiro está preocupada em entregar aquilo que o usuário veio buscar, afim de gerar valor pra ele;
- É uma feature independente da proposta principal do app, mas que ainda se apoia no tema principal (que é saúde mental);
- Senti falta de alguns triggers que me levassem para o app para consultar a minha “dica do dia”;
- A qualquer momento o usuário pode entrar e consultar uma dica nova. Isso também desperta a curiosidade em saber qual dica ele irá receber (algo como abrir um biscoito da sorte).
Shopee: games in-app
Games in-app tem sido uma das principais apostas da Shopee para engajar seus usuários. A ideia central é criar mini jogos dentro do próprio aplicativo com o objetivo de engajar e reter seus usuários. O Hugo Vasconcelos, com quem trabalhei na Singu, fez um artigo incrível explicando como a Shopee utiliza games in-app para engajar e reter usuários. Inclusive o exemplo a seguir foi retirado de lá e se está no ar é porque ele leu e me deixou usar como exemplo.
O “Shopee Bolhas” foi um dos games que a empresa disponibilizou durante uma de suas campanhas no final do ano de 2021. O usuário possui 3 tentativas gratuitas para acertar três ou mais bolhas da mesma cor para ganhar prêmios e moedas Shopee.
Análise rápida:
- Com excessão de alguns pequenos detalhes na estratégia da Shopee (que funciona muito bem) a feature é de graça. Geralmente há um limite de uso por dia ou chances, mas eles dão a chance para o usuário extrair valor do game sem que pague por isso;
- É uma feature totalmente à parte da ideia principal do app. A Shopee é um marketplace, e de repente incluiu uma séria de jogos para o usuário. Nem preciso dizer que se o app fosse somente os jogos, ainda teria demanda. Até porque a maioria do jogos são cópias de jogos já existentes nas lojas e que fazem muito sucesso;
- A feature não tem correlação com o nicho (e acredito que nesse caso nem faria sentido mesmo);
- Algo que eu amo ressaltar sobre a estratégia de jogos mobile (que a Shopee utiliza muito em seus games in-app e vai muito bem nas features de engajamento, são os schedules of reinforcement. Mas isso é assunto para outro artigo.
Vivino: feature de engajamento dentro da jornada do usuário
A Vivino é um marketplace para e-commerce de vinhos. Você pode entrar no site ou app deles, buscar pelo vinho desejado e então saber a nota média, aromas, feedbacks e preço. Se tiver interesse, você consegue fazer a compra online. Até ai existem diversos negócios com a mesma proposta.
Porém, a Vivino tomou uma decisão muito inteligente. Eles utilizaram o serviço de tecnologia de visão computacional avançada para criar um sistema com o qual o usuário pode escanear o rótulo da garrafa e ser redirecionado (na mesma hora!) para a página da Vivino, informando todos os detalhes do vinho. Detalhe: sem pagar um centavo por isso.
A feature ganhou tanta relevância entre seus usuários que, hoje em dia, há mais pessoas que conheceram e baixaram o app pelo fato de poder escanear as garrafas e conseguir todas as informações de um vinho, do que por ser um e-commerce, de fato.
Alice: usando CRM como uma feature de engajamento
Alice é um app que, como eles mesmos definem, funciona como uma gestora de saúde. Isso significa que o app provém soluções não só para quando seus usuários estão doentes, mas também os ajuda a ficarem cada vez mais saudáveis.
Uma das sacadas do time de Produto deles (que você pode entender melhor neste artigo) é sobre a feature que utiliza a ferramenta de CRM. O artigo se concentra mais em estratégias de CRM, mas tem uma feature que achei bem legal compartilhar.
Se trata do “Desafios de saúde”, na qual perguntam ao usuário qual problema ele quer que a Alice o ajude a resolver, sendo beber mais água ou dormir melhor. Com isso, eles criam uma jornarda específica envolvendo push, pop-ups e cards no notification center, com o objetivo de ajudar o usuário a mudar seus hábitos. Durante o desafio, o usuário recebe comunicações com dicas e lembretes relacionados ao desafio que selecionou no início.
De acordo com o artigo, após a implementação dessa feature, 37% dos participantes da pesquisa que eles aplicaram afirmaram ter melhorado sua qualidade de sono após o desafio. Além disso, 58% disseram estar conseguindo ingerir mais água do que antes.
Dicas para aplicar
Comece pelo simples
É importante ter consciência de que dependendo da mudança que você tiver em mente, pode envolver muito trabalho e não necessariamente ter uma garantia de retorno. Por isso, rode a versão mais simples da feature que tem em mente para conseguir validar a hipótese e mostrar ao seu time que de fato vale a pena investir tempo e energia na construção dela.
Use ferramentas prontas
Quando estiver começando, evite investir recursos próprios de engenharia para construir a feature. Na etapa de teste, vale utilizar soluções no-code de terceiros, como plugins, chatbots, automações e integrações de API, etc.
A Alice é um ótimo exemplo disso. Eles tiveram a ideia de construir uma feature que ajudasse seus usuários a beber mais água ou a dormir melhor. A forma mais simples que eles encontraram de fazer isso foi através de uma solução que a própria ferramenta de CRM que eles usavam tinha dentro de seu portfólio. Eles não precisaram criar a parte da engenharia do zero dentro do app, apenas as jornadas.
Aqui estão algumas ferramentas que eu recomendo, caso você esteja pensando em testar:
- Merlin: o céu é o limite com essa ferramenta. A feature de “Dica do dia” da Zenklub, por exemplo, poderia ser facilmente construída usando o Merlin;
- Integromat: você pode usar para integrar APIs e criar automações;
- Plugins WP: não é necessariamente uma ferramenta específica, mas uma recomendação dos plugins do WordPress. Tem muita coisa legal por lá e, se for criativo, é possível aproveitar um plugin e usar como uma feature;
- Elementor: você pode usar o elementor para criar uma landing page que contenha um plugin e pedir para o dev apenas criar um redirect no app, que leve para essa “web-feature”. É uma ótima forma de testar e saber se os usuários vão aderir.
Defina uma métrica de obsessão e resultado esperado
Essa feature não deixa de ser um experimento e, como para todo experimento, é fundamental definir a sua métrica de obsessão. O que vai definir que o teste teve o resultado esperado? Anote todos os aprendizados e melhorias necessárias e teste novamente. As features de engajamento não têm fim, tem melhorias.
Você vai precisar comprar algumas brigas
As features de engajamento são cases que focam no usuário e não no cliente e, ainda por cima, corroboram com uma métrica secundária do negócio. Por mais que você concorde com isso e faça sentido na sua cabeça, não significa que seus stakeholders concordam ou que faça sentido para eles também. Nessa hora que é bom já ter rodado um MVP por debaixo dos panos com uma amostra pequena, para validar a hipótese e levar os números para agregar no pitch, mostrando que é interessante priorizar essa tarefa.
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