Disclaimer: Neste artigo sobre funil de produto B2C vamos utilizar como exemplo alguns produtos tupiniquins para facilitar a visualização do exercício, embora as informações aqui apresentadas sejam fictícias, pois não temos acesso aos dados dos produtos mencionados.
Você já deve ter ouvido falar que a capacidade analítica é uma das características mais importantes para quem quer trabalhar com Produto. Isso porque que boa parte do tempo uma pessoa Product Manager se apoia (ou pelo menos deveria) em dados para entender causas de problemas ou mesmo para encontrar oportunidades de melhoria em seus produtos.
Para resolver problemas ambíguos (nos quais as respostas são mais complexas que apenas “sim” e “não”), é preciso entender onde estão as oportunidades e mensurar o tamanho de cada uma, a fim de colocar suas apostas onde tem o melhor custo-benefício.
Uma ferramenta analítica que ajuda muito a encontrar essas oportunidades é o funil de produto, uma representação visual quantitativa de como os clientes transitam entre as etapas da jornada de um produto.
Neste artigo você vai aprender a:
- Criar um funil de produto B2C;
- Apresentar de maneira visual o funil criado;
- Interpretar os dados do funil de produto B2C para encontrar oportunidades.
Como criar um funil de produto B2C?
O primeiro passo para criar uma visão de funil é ter mapeada a jornada que o cliente percorre desde que conhece seu produto até realizar a core action.
A core action é a ação principal do produto, que está diretamente ligada à sua proposta de valor. Em produtos de e-commerce, por exemplo, a ação principal é a realização de uma compra. O funcionamento do produto gira em torno de direcionar os clientes a realizarem aquela ação, pois assim eles poderão perceber o valor do produto.
Para fins de exemplo, imagine que você é PM no iFood e esteja chegando no time para ajudar a mapear a jornada dos clientes e criar uma visão de funil de produto B2C.
Preocupante? Calma, meu jovem gafanhoto. Siga os passos abaixo e vai ficar tudo bem!
1. Mapeie as personas e suas respectivas jornadas
O primeiro passo para mapear a jornada dos seus clientes é entender quais são as personas que representam os clientes do seu produto. A definição de personas envolve um processo de pesquisa que não abordaremos neste artigo, mas que você consegue buscar mais detalhes neste nosso outro conteúdo.
Após seu time de Produto no iFood ter feito uma pesquisa inicial, eles chegaram a 3 principais personas:
- Ana, uma proprietária de um restaurante de comida italiana buscando aumentar suas vendas;
- José, um entregador freelancer que luta para fechar as contas no fim do mês;
- Carlos, um homem solteiro que prefere pedir refeições do que prepará-las por conta própria.
A proposta de valor do produto é diferente para cada uma das personas. Para Ana, o produto oferece uma forma de divulgar seu restaurante para mais pessoas e também de não se preocupar em fazer as entregas por conta própria focando apenas na sua expertise, que é a preparação dos pratos. Para José, o iFood se apresenta como uma oportunidade de conseguir uma renda extra sem ter a obrigação de cumprir um horário de trabalho pré-determinado. Já para Carlos, o produto oferece a comodidade de poder comparar opções e preços e conseguir uma refeição na hora que desejar.
Dada a natureza tão diferente do produto para uma das personas, é normal que seus touchpoints com a marca também sejam bem diferentes, resultando em jornadas e funis também distintos.
No caso de Ana, sua jornada vai desde o momento em que ela conhece o aplicativo até o momento que ela conclui uma venda. Afinal, a proposta de valor do produto para os proprietários de restaurantes é a conveniência e facilidade de receber pedidos e adquirir novos clientes.
Já em relação às pessoas responsáveis pela entrega, como José, a jornada passa por baixar o app, se cadastrar como entregador, até receber e entregar um pedido. Quando essa persona percorre esse funil por completo, é esperado que ela perceba o valor que o produto a oferece, que é a possibilidade de fazer um trabalho extra seguindo seus próprios horários, com a conveniência de não ter que se preocupar em ter vínculos com restaurantes e estabelecimentos comerciais.
Já para Carlos (#somostodoscarlos), a jornada é de um consumidor que busca a conveniência de pedir uma refeição na hora que desejar, sem ter que se preocupar em ir buscar o pedido ou ter que ligar em um restaurante específico. Quando Carlos percorre o funil por completo, é esperado que ele perceba a conveniência que o app lhe oferece.
2. Busque dados para o funil
Antes de este artigo dar um gatilho em você, a resposta para sua pergunta é não (rs). Não é obrigatório que a pessoa PM saiba SQL. Maaaaaaaas dependendo das ferramentas disponíveis na sua empresa para consultar e visualizar dados, saber SQL pode te dar mais autonomia para fazer seu trabalho no dia a dia.
Certo, já temos as personas e suas jornadas mapeadas. E agora? Agora, minha jovem gafanhota, chegou a hora de brilhar. Vamos puxar os dados para criar a visão de funil que discutimos no tópico anterior.
Para sermos mais objetivos, agora focaremos em uma persona específica. Ele, #somostodoscarlos, o nosso consumidor final.
Essas são as tabelas fictícias que consultaremos:
Na tabela “instalações” é criado um registro toda vez que alguém instala o aplicativo. Na tabela “clientes“, são salvos os dados de clientes que se cadastraram no app. Já em “pedidos“, toda vez que um consumidor final faz um pedido de refeição, é salvo um registro com informações sobre o pedido.
Montaremos uma visão não-safrada de funil, também conhecida como visão foto. Isso significa que se montarmos o funil do mês de setembro/2022, não quer dizer necessariamente que os clientes que estiverem no funil fizeram todas aquelas etapas em setembro/2022. Pode ser que tenham feito apenas uma etapa da jornada naquele mês e aí só serão contabilizados naquela etapa do funil.
Rodando a consulta SQL
Dito isso, a consulta para buscar os dados de setembro/2022 para o funil do Carlos seria algo assim:
Antes de prosseguirmos, vamos analisar cada parte da consulta SQL para entender o que foi feito.
Começando pelo começo, no trecho abaixo buscamos todas as instalações únicas do app que aconteceram durante o mês de setembro/2022. A função date_trunc(‘month’) trunca a data para o primeiro dia do mês. Fizemos isso apenas para facilitar a comparação das datas.
Depois buscamos a segunda etapa do funil, que é o total de clientes que se cadastraram no app em setembro/2022. Como queremos somente quem concluiu o cadastro, usamos a coluna status como filtro nesta consulta:
Hora de buscar os dados para a terceira etapa do funil, os pedidos de refeição feitos. Neste trecho da consulta, buscamos na tabela pedidos pelos registros com status “criado“. Desta forma, não trazemos nessa etapa os pedidos que já foram entregues. Ou seja, todos os pedidos criados em setembro/2022 serão trazidos nessa etapa, independente do seu status final (entregue, cancelado, etc).
Por último, buscamos os pedidos entregues em setembro/2022. A consulta é muito parecida com a anterior, o que muda é o somente o filtro da coluna status, pois agora queremos somente os pedidos com o status final “entregue“.
3. Crie a representação visual do funil
Tcharam! Temos os dados para o nosso funil. Se exportarmos para CSV o resultado da consulta SQL acima, teremos algo parecido com o abaixo:
Obs: para facilitar o exercício, usaremos números redondos mas no mundo real dificilmente isso aconteceria.
Agora você pode gerar a representação visual do funil da forma que melhor lhe convier: criando um ppt, gerando um gráfico no Excel/Google Sheets ou mesmo importando os dados em uma ferramenta de visualização de dados como Google Datastudio e Tableau.
4. Analise e interprete o funil
Depois de rodarmos a consulta SQL, chegamos no resultado abaixo:
Ótimo, agora começa a diversão. Pelo funil acima podemos ver que 80% das pessoas que baixam o app se cadastram, já apenas 40% dos que baixam o app chegam a fazer um pedido e apenas 32% do total percorre o funil por completo.
Ou seja, existe um grande drop entre quem se cadastra e quem chega a fazer um pedido. É perdido 50% das pessoas da etapa anterior do funil nessa etapa. Parece haver uma ótima oportunidade aí.
O funil não vai te mostrar as causas, ele vai te ajudar a achar oportunidades para explorar, como essa que vimos acima. Mas como vamos saber o motivo de tantas pessoas não usarem o app após se cadastrar?
A granularidade das etapas do funil que montamos pode não deixar claro onde estão os drops e as oportunidades, por isso temos algumas opções para entender melhor quantitativamente onde estão as maiores perdas de clientes.
5. Quebre o funil por subetapas
Uma opção para entender melhor onde estão as oportunidades entre cadastros concluídos e pedidos feitos é quebrar essas etapas da jornada em subetapas, para entendermos melhor o que acontece entre elas.
Depois de quebrarmos as etapas em subetapas conseguimos gerar um funil específico para elas:
Com isso conseguimos perceber que o maior drop acontece entre as etapas “escolheu o tipo de comida” e “escolheu o restaurante”. Interessante!
Cruzando dados para tomar decisões melhores
Parabéns PM! Você conseguiu achar uma oportunidade de melhorar seu produto. Agora chegou a hora de entender melhor o que está causando esse drop de 300.000 clientes entre as subetapas de escolher o tipo de comida e o restaurante.
Para isso, você pode consultar dados do time de atendimento, ler avaliações nas app stores, ler comentários das redes sociais, entrevistar clientes, analisar logs de erros, verificar com o time de tecnologia se existem bugs conhecidos nessas subetapas da jornada, entre outras ações.
É sempre importante cruzar dados de diferentes fontes para uma melhor tomada de decisão. O dado quantitativo vai te mostrar oportunidades, mas o dado qualitativo é que vai te ajudar a entender melhor o que está acontecendo.
Lembre-se também que a inteligência coletiva é sempre melhor que a individual. Converse com seu product-trio e envolva todos nesse processo de análise, com certeza as conclusões serão mais ricas e certeiras.
Cuidado com a sazonalidade
No nosso exercício de funil de produto B2C, analisamos dados de um mês específico. Quando olhamos para um período pequeno e específico, corremos o risco de tirar conclusões erradas devido à sazonalidade.
Por exemplo, pode ter sido um mês que houve um problema de infraestrutura, pode ter sido mês de férias escolares, ou mesmo de um lockdown, como tivemos com a pandemia da COVID-19. Por isso é importante analisar possíveis fatores externos que possam estar enviesando os dados da sua análise.
Conclusão
A parte analítica do trabalho das pessoas de Produto é muito interessante. Você muitas vezes vai se sentir no papel de um investigador policial. Como naquele trecho do filme “Divertida Mente”, da Pixar, que fala “você já parou para pensar: o que passa na cabeça dessa pessoa?”. É isso que o PM pensa todos os dias quando tenta entender os clientes do seu produto, rs.
Assim como todo framework/ferramenta, o funil de produto é apenas uma das formas de encontrar oportunidades. Não se apegue tanto ao como, mas sim ao “o quê” e ao “porquê”. Como pessoa de Produto, é importante que você saiba várias formas de resolver problemas, pois cada caso pode exigir estratégias diferentes de investigação e resolução.
É importante mencionar também que em vários momentos você vai se sentir tentado(a) a pular logo para uma conclusão. Isso é normal, pois nosso cérebro é movido a resolver problemas e por isso ele nos leva a querer pular logo para o desfecho. Quando sentir que está caindo em tentação, respire fundo e pense se você já investigou o problema o suficiente, se já coletou feedback com outras pessoas e o mais importante: se tem evidências (dados) fortes que sustentam sua teoria.
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