Sabemos que o dia a dia das pessoas de Produto é muito carregado de atividades, reuniões e cerimônias. Isso por vezes acaba tomando tanto tempo que ficamos imersos em atividades voltadas pro delivery do produto, deixando de lado o tão importante discovery. É… a vida real nem sempre segue o mundo ideal do trabalho de produto. Por isso é tão importante adotar hábitos de Continuous Discovery.
“É muito comum nós termos um mindset de projeto, em que começamos fazendo um pouco de Discovery, fazemos muito delivery, entregando feature e passamos para o próximo projeto.”
– Teresa Torres (Product Discovery Coach)
Pensando em manter uma disciplina e constância do time e em estar mais próximo do cliente descobrindo novas oportunidades e hipóteses, comecei a colocar em prática alguns hábitos. Montamos uma estrutura simples, mas eficaz para não deixar o discovery se perder.
Nessa imagem adaptada do excelente livro “Continuous Discovery Habits“, fica evidente em qual etapa esses hábitos irão se encaixar: na geração de novas oportunidades. Nenhum desses hábitos sozinho é indicado para que você valide se uma solução é ou não valiosa para a sua cliente, esses hábitos servem para ajudar na geração ampla de novas oportunidades e para ampliar suas ferramentas de entendimento sobre as dores dos clientes.
Os 4 hábitos de Continuous Discovery
São 4 hábitos para aplicar Continuous Discovery sem burocracia e com bons resultados, que você pode começar a aplicar hoje. Eles consistem na observação das seguintes fontes de dados:
- Redes sociais;
- Canais abertos de atendimento (Reclame aqui/ Procon);
- Notas das lojas de app (exclusivo de produtos mobile);
- Materiais de tendência de mercado.
Aviso: para algumas dessas técnicas você vai se deparar com relatos públicos ou internos de clientes. Independente da fonte, esteja atento às práticas de compliance da empresa e privacidade das pessoas (sempre oculte informações como nome, dados pessoais ou foto da pessoa que fez o relato).
Aviso dado, vamos ao que interessa: entender melhor sobre cada um desses canais.
Redes sociais
Entender o que as pessoas estão dizendo sobre seu produto nas redes sociais é uma forma de pegar opiniões bem sinceras dos clientes. Você pode buscar o nome do seu produto/empresa de forma genérica no Twitter, Facebook ou LinkedIn, por exemplo, e verificar quais dúvidas e opiniões a sua base de clientes emite espontaneamente.
E pra mim esse é o melhor ponto: a pessoa não foi convidada para uma pesquisa ou algo do tipo, ela só está ali compartilhando a sua opinião, conversando com amigos ou frustrada ao ponto de xingar muito.
O segredo para esse hábito é saber como pesquisar os termos corretos nos lugares certos.
Busca ampla
Pesquisar pelo nome do seu produto/empresa nos campos de busca do Twitter, Facebook ou LinkedIn e explorar o que as pessoas estão falando.
Exemplo do app CNH Digital:
Em busca genérica no Twitter já dá pra perceber uma possível oportunidade/feature relacionada ao “aviso de multas”. Ou então, entender melhor como está a etapa do funil relacionada à biometria facial.
Interações com a marca
Se sua empresa tem perfil ativo nas redes, você também pode checar os comentários nos posts que ela faz. Geralmente estão relacionados aos assuntos mais importantes para os clientes no momento, ou então à features e problemas adjacentes ao assunto do post.
Exemplo Monzo:
Exemplo de uma grande fintech que, ao anunciar uma nova feature, já ganhou a sugestão de um item de backlog e uma dúvida de segurança.
Grupos e fóruns
Comece verificando se existem grupos/fóruns que têm relação com seu público alvo ou setor de atuação. Por exemplo, se você trabalha em uma empresa de aluguel de imóveis pode entrar em grupos do Facebook relacionados ao tema (exemplo a seguir).
Verificar quais assuntos são mais comentados, quais processos envolvidos na locação de imóveis geram mais dúvidas e coletar insights a partir daí.
Jornadas e features específicas
Pesquisar por jornadas específicas relacionadas ao seu produto é a técnica mais avançada, porém a mais difícil de coletar grande quantidade de comentários. Por exemplo, se você trabalha na área de pagamentos, pode buscar por “fazer um pix” e explorar quais relatos estão associados a essa jornada. Em qualquer um dos passos anteriores.
Dica: os exemplos dados acima são apenas ações superficiais relacionadas à uma metodologia bem interessante que é a Netnografia. Pesquisar sobre o tema te ajudará a evoluir nessas análises.
Canais de atendimento aberto
Quem já passou por algum problema crítico com uma empresa pode já ter se deperado com os canais de reclamação do Procon/Reclame Aqui. Os canais de reclamação como esses ou oficiais de cada ramo (como o Banco Central para o setor bancário) são uma fonte valiosa de relatos de clientes atritados, que por muitas vezes narram em detalhes o que aconteceu para gerar aquela ocorrência.
Dependendo da escolha, é possível avaliar os relatos de clientes em modo público (como é no Reclame Aqui). Porém, é importante se atentar à Lei Geral de Proteção de Dados e à privacidade das pessoas na hora de realizar uma análise como essa.
Antes de qualquer coisa: quando achar uma reclamação, verifique se alguma área da sua empresa já está em contato com esses clientes resolvendo o caso (isso é muito mais importante que qualquer discovery).
Mas vamos lá. Uma boa ferramenta para se utilizar é o Reclame Aqui. Vou utilizar esse site como exemplo para o nosso passo a passo:
- Pesquise a sua empresa (ou quando fizer sentido veja uma concorrente do mesmo setor);
- De forma mais geral, veja o ranking de resolução de problemas, a reputação da empresa e essas informações de perfil;
- Veja os relatos e reclamações dos clientes;
- Analise o que o cliente está relatando, tente dissecar o relato entendendo quais áreas, features e jornadas do produto estão relacionadas, quais são as dores do cliente por trás daquele relato;
- Então volte para os dados do produto, buscando entender o tamanho e desdobramentos desse problema.
Exemplo: relato de e-mail incorreto no onboarding.
Nesse exemplo, podemos ver um problema de cadastro, no qual o cliente se enganou registrando um e-mail incorreto. Apenas por esse relato já poderiam ser elaboradas algumas hipóteses como:
- Estamos validando corretamente o e-mail dos clientes?
- Essa validação está na etapa correta do cadastro?
- Temos tagueado erros relacionados à isso?
Adicionalmente, no Reclame Aqui é possível ver problemas por categorias específicas, comparar com concorrentes, entre outras funcionalidades.
Além do Reclame Aqui, pode incluir na lista outros sites como o Procon do seu estado e consumidor.gov, porém esses outros apresentam plataformas um pouco mais complicadas de usar.
Bônus: use seu próprio atendimento, áreas de atendimento/suporte de todas as empresas com certeza são uma das melhores fontes para entender melhor o cliente.
Notas das lojas de apps
No contexto de produtos mobile, as notas das lojas são uma mina de ouro. Grande parte dos clientes realmente utiliza esse espaço de avaliação para dar sugestões diretas aos “criadores dos apps” como eles mesmos dizem, além da análise ser facilitada pela lógica de notas (1 a 5 estrelas) e também pelo registro de data e hora de cada avaliação.
No mundo ideal, deve haver uma forma de extrair esses comentários da loja em um Excel ou um dashboard. E existem alguns softwares específicos também para facilitar essas análises.
Com os comentários já disponíveis ao acesso, eu costumo criar uma coluna de categoria, relacionar palavras-chave e depois classificar cada comentário. Meu passo a passo funciona mais ou menos assim:
- Realize uma leitura dinâmica dos comentários para identificar categorias e palavras-chave;
- Liste todas essas categorias e palavras-chave de forma organizada. Exemplo:
- Segurança: senha, biometria, sms, seguro, segura, segurança, risco, assalto, etc.
- Cartão: crédito, limite, fatura, parcela, não chegou, cartão virtual, débito.
- Analise a base filtrando as palavras chave e categorizando comentários;
- Repita os 3 passos até ter o nível de detalhe suficiente para o contexto.
Feito isso, você terá tanto a análise qualitativa facilitada pela categorização, quanto a frequência de assuntos tabulada, gerando uma análise quantitativa dos relatos.
Partindo para análise dos comentários, é necessário estar muito atento, pois é muito comum ficar preso ao relato direto da cliente ao invés de tentar enxergar a situação de forma macro. Nessa análise você deve se perguntar quais as dores, necessidades e tarefas estão por trás daqueles comentários.
Outra coisa que percebi ao longo do tempo é que não podemos olhar apenas os comentários totalmente positivos (5 estrelas), nem apenas os negativos (1 estrela). Percebi que geralmente as notas intermediárias (entre 2 e 4) possuem relatos mais ricos em detalhes. Tenho a hipótese de que para dar uma nota 3, por exemplo, a cliente teve um esforço cognitivo muito maior e realmente dedicou parte do seu tempo a se concentrar na avaliação.
Exemplo: avaliação do app do Google Maps
Inclusão ou a descontinuação de features são bem interessantes de acompanhar via loja. Nesse caso é importante entender se a tarefa sugerida pela cliente de “saber quanto tempo falta para o transporte chegar” pode ser atendida de outra forma dentro do app, se vale uma comunicação do porquê tiraram a funcionalidade ou até mesmo a reavaliação da decisão tomada.
Esse mesmo processo pode ser aplicado para uma pesquisa de satisfação como NPS, CSAT ou CES. Você ainda pode fazer a mesma análise de lojas de apps dos seus concorrentes (esse contexto fica um pouco mais manual, mas é uma excelente forma de coletar mais dores e necessidades dentro do seu segmento).
Materiais de tendência de mercado
Diversas empresas de consultoria e provedoras de serviços divulgam com frequência materiais de tendência de mercado, análises de perfil do consumidor ou estudos contextualizados por grandes eventos, como por exemplo “hábitos de consumo no setor de viagens pós pandemia”. Nesses estudos, a depender do nível de profundidade, pode-se extrair:
- Novas tecnologias aplicadas ao setor;
- Nichos de comportamentos que podem ou não refletir em seu produto;
- Cases de outras empresas que podem inspirar novas oportunidades;
- Opiniões/insights de especialistas.
Para análise desses materiais gosto de deixar alguns dashs e pesquisas internas já abertas, para que posso realizar a leitura de forma bem ativa comparando os insights do material com os comportamentos que já são vistos no produto atual. Além disso, se você utiliza algo como a árvore de oportunidades em seu produto, é interessante que ela esteja de fácil acesso ao longo dessa leitura.
- Selecione alguns materiais relacionados ao setor ou público alvo do seu produto;
- Faça uma leitura ativa buscando por:
- Dores e necessidades daquele mercado;
- Novas tecnologias utilizadas no setor;
- Empresas ou soluções que atenderam à uma dor do mercado;
- Tendências de comportamento.
- Para cada um dos itens, tente confrontar com os dados internos do seu produto e coisas que você já sabe sobre seu cliente.
Geralmente esse tipo de técnica gera oportunidades e hipóteses de médio a longo prazo e pode também auxiliar na tomada de decisões mais estratégicas.
Recapitulando
E assim chegamos a 4 hábitos de Continuous Discovery que você pode começar aplicar agora mesmo no contexto do seu produto. Espero que aplicando essas práticas você consiga manter seu backlog de hipóteses, árvore de oportunidades ou esteira de discovery com novas fontes de exploração.
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