Existe uma pesquisa da CBInsights que provavelmente você já viu por aí. Ela aponta algumas razões pelas quais as startups falham, sinalizando que o maior motivo disso é entregar algo que os usuários não precisam/usam.
Acredito que, de uns tempos para cá, isso vem mudando bastante. Já temos várias técnicas, cursos, experiências sendo compartilhadas em encontros de produteiros. Mas isso ainda não nos livra de continuarmos falhando ao entregar o produto errado ou sem necessidade. Não basta ter tudo isso em mãos se no final não soubermos como alinhar para ter valor, daí a importância do mapeamento de experiências.
É sobre isso que vou falar neste artigo! Vamos lá?
Frameworks de mapeamento de experiências
Acredito que muitas organizações desejam genuinamente criar ótimas experiências aos seus usuários. Mas, para que isso se concretize, é fundamental alinhar o que a empresa busca com o que as pessoas experimentam. Quando isso não acontece, o impacto acaba afetando a empresa inteira: as equipes ficam sem finalidade e foco, as soluções a serem construídas estão longe da realidade, as pessoas olham muito mais para a tecnologia ao invés da experiência e estratégia.
As pessoas não só esperam resolver suas maiores dores usando um produto ou serviço como também querem ver algum benefício nisso. Consequentemente, se elas perceberem que esse benefício tem valor, elas sempre darão algo em troca para continuar tendo essa experiência. E é nesse momento que as organizações precisam capturar o que é esse valor e entregar a melhor oferta.
Mas como podemos identificar e encontrar a fonte de valor nessa relação?
Essa criação de valor sempre vai estar na intersecção das interações humanas e as organizações que provêem o serviço ou produto. E a forma mais eficaz de identificar isso é fazendo mapeamento de experiências em diagramas.
Vale deixar claro que o foco aqui não é estar apegado em uma técnica específica, mas sim em como usar de todas as técnicas disponíveis para criar esse alinhamento de valor, conectando os objetivos de negócio com um design centrado no ser humano.
Um diagrama pode ser qualquer tipo de mapa que ajuda a visualizar as interações entre pessoas, organizações e o serviço que as conectam. Existe hoje uma infinidade de modelos que podem ser adaptados conforme sua necessidade e contexto, como:
- Blueprints de Serviço (Service Blueprint);
- Mapas da Jornada do Cliente;
- Mapas da Experiência;
- Diagrama do Modelo Mental;
- Mapas Espaciais.
Vou descrever brevemente esses, que considero como principais.
Blueprints de Serviço (Service Blueprint)
O framework de Service Blueprint detalha a oferta do serviço, as ações do cliente e os processos do provedor de serviço na parte inferior. No meio de tudo isso, conseguimos visualizar as interações entre os pontos de contato.
Mapas da Jornada do Cliente
A Jornada do Cliente mostra a experiência completa de uma pessoa, incluindo desde uma escolha (como uma decisão de compra de um produto ou serviço, por exemplo) até se tornar um cliente, de fato.
As fases de interação são listadas no topo e as linhas vão mostrando partes dessa experiência como: ações, estado de espírito, sentimentos, resultados desejados, pontos críticos entre outros. E a parte inferior mostra as principais atividades que ajudam a apoiar e responder ao cliente.
Mapas da Experiência
Esses mapas mostram as experiências do usuário em certo domínio. Na parte superior descreve a experiência que a pessoa tem usando determinado produto ou serviço e na parte inferior ficam as oportunidades de negócio, e as interações entre si ficam no meio do mapa.
Diagrama do Modelo Mental
Esse diagrama explora de forma mais ampla os comportamentos, sentimentos e motivações dos usuários. Geralmente são grandes e podem ser impressos para ser colocados em uma parede inteira.
Uma linha horizontal no meio divide o diagrama em duas partes, a parte superior mostra as tarefas e sentimentos, sendo agrupados por assunto onde são chamados de “torres” e divididos em espaços objetivos. Na parte inferior da linha é descrito de que forma os objetivos serão atingidos a partir dos produtos e serviços.
Mapas Espaciais
Esse formato mapeia os aspectos de uma experiência espacialmente, sendo que sua principal diferença é que eles não são hierárquicos e nem cronológicos. A esquerda ficam os retângulos chamados “tapetes”, eles refletem os departamentos e as divisões da empresa. Já os artefatos em formato de ícone localizados no meio representam os diferentes tipos de conteúdo usados no sistema, e, à direita, os pontos de contato do usuário entre as duas partes.
Por onde eu começo?
Olhar todos esses mapas inicialmente pode gerar até um pouco de desconforto, pois nem sempre você vai ter todos os dados disponíveis para criar algo tão completo e alguns aspectos também vão estar fora do seu controle. Mas isso não impede que você inicie com o que tem.
Como mencionei antes, o foco não é seguir a técnica by the book, mas adaptar da melhor forma ao seu contexto com o objetivo de entender como gerar valor. Ou seja, entender os fatores que fazem parte da experiência permite determinar quais partes priorizar e investir foco, assim como evitar as experiências negativas.
De qualquer forma, a seguir eu deixo um passo a passo que pode ser útil para você que está aplicando o mapeamento de experiências pela primeira vez:
Entenda o contexto a ser mapeado
Independente do tipo de diagrama a ser usado, alguns pontos sempre podem te orientar no início da construção até a definição do mapa que melhor atende o seu momento. Nesse sentido, é muito importante:
- Estruturar o esforço, ponto de vista, escopo, foco, e estrutura do mapeamento;
- Identificar os pontos de contato no produto ou sistema;
- Focar na criação e entrega de valor, em como você vai usar esse diagrama para inovar o seu negócio.
Defina e alinhe a estratégia
Em muitas empresas, ainda hoje, a estratégia é definida pelos níveis mais alto da liderança em uma organização, e, após definida, esses líderes apresentam essa estratégia para o resto da empresa. Nesse momento, só nos resta fazer a mágica de alinhar nosso trabalho com essa estratégia.
O grande problema nisso é que, se mais tarde algo der errado, esses líderes colocam a culpa na execução do trabalho. É importante entender que a estratégia e a execução precisam caminhar juntas, e essa separação faz com que não só a comunicação seja parte do problema, como a estratégia que é criada também. Não envolver as pessoas certas tem um impacto muito grande no final.
Por isso que, para que tudo funcione conforme esperado e gere o valor que almejamos no final, é primordial também incluir outras pessoas no processo, engajando todos os pontos de contato envolvidos para poder gerar discussões em conjunto e chegar na melhor solução como uma equipe.
Considere contexto e projeção
É importante considerar sempre o estado atual e estado futuro, onde o estado atual é a imagem das experiências existentes e os produtos ou serviços futuros serão a camada adicionada a esse diagrama.
Nesse momento, você também vai perceber que não pode controlar tudo. Ter coerência na experiência inteira é fundamental, mas entenda que muitas vezes você mapeará interações que não escolhe e/ou não pode controlar.
A partir disso, você está pronto para iniciar o projeto da construção do diagrama que mais faz sentido para o seu contexto. Toda equipe pode aproveitar o mapeamento de alguma forma, mesmo que no início seja um pequeno esboço. Aos poucos você vai definindo o nível de formalidade, de acordo com a evolução do processo.
Convença os tomadores de decisão
Esses próximos passos são essenciais para mostrar à liderança que toma as principais decisões o quão importante é dedicar tempo na construção desse projeto de diagrama que vai guiar nas decisões certas alinhadas com a estratégia.
- Forneça sempre evidências para apoiar seu esforço e leve isso para apoiar nas discussões;
- Encontre aliados, stakeholders que possam ajudar a defender o quão importante é fazer esse mapeamento para alinhamento contínuo dos envolvidos;
- Faça um piloto, se possível. Você não precisa fazer um diagrama super detalhado e complexo de início, faça um simples mapeamento de rascunho atacando algum ponto crítico e use como ponto de discussão;
- Crie argumentações, mostre que você quer endereçar os principais problemas e como ter esse mapeamento com pessoas envolvidas nas principais etapas vai ajudar a atingir os objetivos.
Mapeamento de experiências em um discovery
Recentemente, estive atuando em um Discovery para a criação de um aplicativo de delivery. Uma de nossas atividades era o desenho de um Service Blueprint.
Para realizar esse mapeamento, outras atividades serviram de apoio na construção como:
- Entrevistas com stakeholders;
- Pesquisas com usuários;
- Workshop com a cliente;
- Visita na própria loja, para acompanhar de perto todas as interações (entre pessoas, usuários, máquinas, sistemas e terceiros envolvidos).
O desenho do Service Blueprint não foi um trabalho rápido (levou algumas semanas) e exigiu dedicação de mais de uma pessoa, principalmente de designers (tanto para analisar os dados e ir mapeando na jornada quanto o desenho em si e validações antes de apresentar ao cliente).
Porém, os benefícios de usar a ferramenta foram incríveis. Além de identificar todos os pontos críticos que poderiam inviabilizar o uso do que iríamos desenvolver, foi possível mapear riscos e criar oportunidades estratégicas para toda a organização, e não somente para o produto proposto. Ou seja, conseguimos mostrar que o produto não iria resolver todos os problemas dos usuários (como os stakeholders acreditavam).
Além disso, o processo deixou clara a importância do mapeamento, dando mais visibilidade aos stakeholders sobre o funcionamento do próprio negócio, servindo de apoio também na priorização das oportunidades mais relevantes em consideração ao tempo e recursos.
Service Blueprint em produtos técnicos
Uma outra experiência que tive foi a criação de um Service Blueprint para um produto técnico. Como já mencionei por aqui, você pode adaptar as ferramentas quando fizer sentido no seu contexto.
E esse foi um dos casos, pois, além de não fazer sentido eu mapear algumas interações com o produto, eu não tinha informações suficientes para fazer uma mapeamento completo. Então eu usei o que eu tinha disponível no momento, que eram alguns dados mais relevantes e como funcionava o serviço.
Iniciei o desenho a partir de:
- Quando as interações começavam a tocar o produto back end;
- Por quais aplicações elas passavam;
- Qual era o tempo ou quantidade de vezes que passavam por uma aplicação e outra até devolver as respostas a quem requisitou;
- Quais serviços estavam em cada parte do produto e porquê.
Importante frisar também que usei uma linguagem de fácil compreensão para que qualquer pessoa do time (e até mesmo cliente) passasse a entender todo esse funcionamento.
Não preciso nem falar que os benefícios posteriores foram vários, desde o onboarding de novas pessoas no time, conversas estratégicas com a cliente, documentação viva, apoio na tomada de decisão, entendimento de pontos críticos do sistema, entre outros.
Principais benefícios do mapeamento de experiências
É importante destacar que os diagramas não fornecem respostas definitivas e de forma imediata. Eles ajudam muito em conversas importantes sobre como gerar valor, e o diálogo inclusivo ao redor desses mapas acaba sendo o maior objetivo (não somente criar o diagrama em si).
Um dos principais benefícios de se mapear as experiências, é a empatia gerada. Pois é nesse momento que todas as pessoas envolvidas começam a entender melhor quem usa o produto ou serviço, compreendendo melhor as necessidades reais das pessoas.
Sendo assim, o processo permite colocar as pessoas na mesma página com uma imagem geral comum, ajudando a construir consenso e criando assim ferramentas estratégicas para a tomada de decisão em todos os níveis. Além disso, esses diagramas ajudam quando as organizações têm alta rotatividade de colaboradores e contratação de novos, deixando sempre os membros da equipe muito bem contextualizados para dar continuidade ao trabalho.
Os diagramas quebram os silos, fazendo soluções cruzarem outros departamentos da organização e tornando as discussões mais colaborativas e com mais pessoas envolvidas.
Os diagramas trazem foco para a estratégia, uma vez que são resultado de várias pessoas diferentes e de vários departamentos contribuindo nessa construção de valor.
As visualizações do diagrama no momento do alinhamento fornecem compreensão imediata sobre o que pode proporcionar novas oportunidades de criação de valor não percebidas antes. Essas melhorias podem ser operacionais, técnicas ou mesmo na experiência do usuário.
Conclusão
O mapeamento de experiências em diagramas para criar um alinhamento entre os pontos de contato abre inúmeras possibilidades e oportunidades. Felizmente, existem vários modos de endereçar os problemas e modelar da melhor forma como gerar valor e criar impacto.
Porém o mais importante é você entender quais os objetivos da organização e, com base em pesquisas, entender a experiência do usuário. Assim, você vai poder consolidar as descobertas para chegar a conclusões que ajudem na tomada de decisão, evitando assim entrar na lista de produtos que não deram certo.
Por fim, gostaria de indicar um livro que foi minha base para escrever esse artigo e tem me ajudado muito no mapeamento de experiências de valor. O livro “Mapeamento de Experiências“, de Jim Kalbach, aprofunda em detalhes sobre esse tema, trazendo insights valiosos de como podemos adaptar e criar diagramas para os nossos produtos com foco em valor.
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