Jumpers vs Resilientes​: Quanto tempo ficar em uma empresa?
Raphael Farinazzo

Raphael Farinazzo

12 minutos de leitura

Quem já contratou, já se deparou com essa grande dúvida:

Qual o tempo mínimo que Product Managers deveriam permanecer em uma empresa?

Óbvio que não existe uma resposta certa, mas talvez seja consenso que ficar pouco tempo em todas as experiências de carreira não significa algo muito positivo.

Há empresas que sequer chamam para a primeira entrevista pessoas com menos de um determinado tempo na experiência atual. Ou, mais refinado: que não tenham passado um tempo mínimo nas últimas três experiências.

A discussão é sempre em torno de “contratar pessoas resilientes e evitar os jumpers” (que ficam pulando de empresa em empresa). O argumento: se a pessoa ficou pouco tempo nos outros lugares, por que deveríamos esperar que ela fique muito tempo aqui?

Embora tenha um fundo de verdade, é difícil dizer, de alguém que ficou pouco tempo na empresa, se o problema é a pessoa ou a empresa. Por isso, gostaria de abordar alguns critérios para ir além de generalizações apressadas.

Tempo de permanência e impacto em resultado

O maior problema para a empresa é que quem sai em pouco tempo muitas vezes se vai sem entregar nenhum resultado positivo.

Mas o que é resultado?

Resultado é o impacto no negócio: mais receita ou menos custo; ou o impacto em métricas que tenham correlação com resultados de negócio.

Porém, em empresas com menos cultura de produto, sem dúvida PMs terão seu impacto medido pela quantidade de funcionalidades entregues, independente de ter movimentado métricas de negócio. “Se o cliente pediu e o time entregou, gerou impacto.”

Mas é tão importante assim entregar resultados antes de sair da empresa?

Imagine o seguinte: você investe na contratação, no onboarding, na capacitação, dá os recursos e nada disso retorna porque a pessoa vai embora antes de gerar impacto no negócio.

Então, sim. Se estou contratando PM, quero alguém que entregue resultados para a empresa.

E se você saiu dos lugares antes de entregar qualquer resultado, aí sim posso perguntar: por que não faria igual comigo? É ingenuidade pensar que eu sou especial.

E qual o tempo mínimo para entregar resultado?

Passado o onboarding, os treinamentos e a imersão em temas de mercado, produto, cultura e processos da empresa, provavelmente você ainda estará entregando funcionalidades iniciadas por algum PM anterior.

Leva algum tempo até a qualidade do seu trabalho ser percebida nas entregas do seu time.

Em outras palavras: leva tempo até o impacto gerado pelo time ter alguma relação com o impacto gerado pela nova pessoa de produto.

Tamanho dos “ciclos de feedback”

A primeira coisa para entender se existe um tempo mínimo para PMs entregarem valor em uma nova empresa é considerar o tamanho médio de um ciclo de feedback:

  1. Estudar um problema
  2. Definir hipóteses
  3. Implementar uma solução
  4. Coletar feedback (quanti e/ou quali)
ciclo de feedback de acordo com as 4 etapas

O fato é que dificilmente você entrega bons resultados na primeira tentativa, então você precisa de alguns ciclos de feedback até gerar impacto.

Em alguns lugares, esse ciclo pode ser medido em semanas; em outros, meses ou até anos. Então vai depender muito da empresa, sua estrutura interna, seu produto, o mercado onde está inserido, o modelo de negócio… praticamente, de tudo. Futuramente, pretendo aprofundar nesse ponto.

Mas algumas certezas podemos extrair apenas de reflexões simples:

Saídas precoces independentes da resiliência

Independente do tempo de casa, existem motivos nobres para sair de uma empresa imediatamente.

Descumprimento das expectativas básicas de respeito e humanidade

Imagine que você tem 4 meses de casa e sofre (ou presencia) um assédio, um caso de racismo ou qualquer outro tipo de desrespeito nesse nível de desumanidade. Não é hora de pensar “serei resiliente e ficarei nesta empresa porque ainda não entreguei nenhum resultado”. É hora de fazer o possível para se afastar dessas pessoas o quanto antes.

E como contratante, seria injusto desconsiderar alguém só porque “tem pouco tempo de casa”, sem pensar que o motivo da saída pode ser louvável.

Acontece que, na prática, essa pessoa dificilmente vai dizer em um processo seletivo “eu saí porque fui vítima de assédio” – seja por medo de represálias, seja por resguardar à intimidade e à lei aquilo que a pessoa entende que pertença a esses foros.

Nesse caso, talvez a recrutadora ouça “era um ambiente ruim” e interprete isso como… falta de resiliência! Nada mais equivocado. E pior, capaz de pensar “daqui a pouco essa pessoa sai daqui também dizendo que era um ambiente ruim, vai queimar a empresa no mercado.”

Como garantir, então, que a pessoa tenha uma avaliação adequada de sua resiliência?

Honestamente, ainda não tenho a resposta, até porque nunca sofri casos desse tipo.

Mas o caminho passa por entender que o colaborador é o elo mais fraco da relação. E quanto mais “junior”, maior o medo de se comprometer e prejudicar a própria carreira. O líder que não pensa nisso não está cuidando do próprio time.

Por isso, acho interessante dar um crédito: sempre desconsiderar uma única passagem curta no currículo.

Desalinhamento cultural

Às vezes, a pessoa escolheu errado. Parecia uma empresa legal, e não era.

Diferente do caso anterior, aqui é apenas uma questão de valores. A empresa pode fomentar mais competição e a pessoa é mais colaborativa. Pode ser um ambiente hierárquico e a pessoa se dá melhor em estruturas horizontais – e, sobre isso, vale dizer: não existe um único jeito certo de fazer as coisas. Existe o melhor para você. Uma estrutura horizontal e de baixa hierarquia não funciona em setores onde as decisões precisam ser tomadas e executadas rapidamente.

Todo mundo erra. Se estou contratando para uma vaga de produto, que pressupõe inovação, tenho que considerar que está OK a pessoa fazer escolhas erradas de vez em quando. O diferencial é a atitude diante do erro.

É totalmente compreensível alguém que tenha escolhido não apostar as fichas em um lugar onde não vai conseguir render o que espera. Mas aí, em uma entrevista, a conversa muda de tema: eu vou querer saber quais condições a empresa precisa reunir para que você renda o seu melhor – inclusive já perguntei isso várias vezes em entrevista.

Promessa errada

A gente sabe que tem gente que, na hora de trazer um talento para o time, faz diversas promessas. E muitas vezes essas promessas não se concretizam.

A pessoa foi trazida para liderar uma nova iniciativa que se dizia estratégica, mas está há 6 meses sozinha no time, sem nenhum recurso para trabalhar e nenhuma visibilidade de quando isso pode mudar. Esperar que isso mude é resiliência? Talvez sim. Talvez não.

Existem promessas exageradas, feitas em momentos de empolgação. Mas também existe o engano deliberado.

O colaborador, em sua dificuldade de ter certeza quanto à intenção de quem prometeu e à possibilidade do cenário se reverter, tem que fazer uma aposta. Ou aposta em ficar, ou aposta em sair.

O que eu esperaria ouvir em uma entrevista é exatamente esse nível de transparência: “as promessas não se concretizaram, eu não tinha controle sobre a situação e apostei que as coisas não iam mudar”.

Repare que neste momento, a conversa novamente deixa de ser sobre resiliência e passa a ser sobre “o que te leva a apostar nos outros”. Se eu estou te trazendo para o meu time, eu quero saber quais são os gatilhos que te fazem confiar ou perder a confiança nas pessoas.

Atenção a alguns detalhes para não recusar a pessoa errada

Fora os motivos justos de saída precoce, o LinkedIn pode enganar em alguns pontos:

  1. Algumas empresas trocam de nome. Parece que o candidato pulou rapidamente para outra, mas ele só foi incentivado a atualizar o LinkedIn.
  2. Várias demissões em massa têm acontecido desde o início da pandemia. Empresas que cortaram 20% ou mais de seu quadro. Isso não tem nada a ver com resiliência ou desempenho. Há diversos outros critérios possíveis, e até melhores, para escolher quem fica e quem sai.

Permanências independentes da resiliência

De igual maneira, existem motivos diferentes de resiliência para ficar 10 anos na mesma empresa.

A pessoa pode ter uma relação com o trabalho que não passa pela autorrealização, ou estar satisfeita com o que obteve até ali; aliás, eu arriscaria dizer que a grande maioria dos seres pensa dessa maneira. Não existe nada de errado em não querer crescer o tempo todo.

Nesse caso, a pessoa pode ficar 15 anos na empresa e isso não tem relação com resiliência ou vestir a camisa. Tem a ver com direcionar a ambição (no bom sentido) para outras coisas – família, viagens, vida social, voluntariado etc – e o percentual que sobrou para o trabalho é baixo.

Ela está errada? Não. Mas se você está olhando para o tempo de casa querendo contratar alguém tolerante e resiliente, talvez você traga a pessoa errada. Você pode até convencê-la a sair um pouco da zona de conforto e vir para o seu time, mas logo perceberá que os motivadores dessa pessoa não estão em receber aumentos, ser promovida, estar no top 5% de alto desempenho ou algo assim.

Está tudo bem para você se ela for assim? Então, contrate!

Casos evidentemente preocupantes

Por mais que existam motivos super válidos para permanecer ou sair de uma empresa, algumas coisas realmente acendem um alerta de preocupação.

Se a pessoa tem sucessivas passagens curtas na carreira, parece que existe algo de errado. Pode ser uma série de coisas, mas acreditar que isso não vai acontecer na sua empresa também é um pouco ingênuo.

De novo, o que é uma “passagem curta” pode ser questionável. Mas pegue as últimas 3 ou 5 passagens e veja se a média fica abaixo de 12 ou 18 meses. Dificilmente a pessoa está entregando resultados por onde está passando.

Há dezenas de explicações para isso acontecer:

  1. Inflar salário
  2. Inflar cargo
  3. Impaciência crônica
  4. Comportamento nocivo à culltura
  5. Desresponsabilização
  6. Etc.

Nenhuma delas é uma boa ideia para trazer para o seu time.

Toda empresa tem problemas. E toda pessoa também.

Entrevistas de emprego podem virar um teatro que impede ambos os lados de se conhecerem de verdade.

Perguntas pré-formatadas só porque “estão no roteiro”, respostas ensaiadas para “não dizer nada que possa pegar mal” e no fim das contas, em vez de empresa e candidato avaliarem justamente se combinam um com o outro, a decisão é baseada totalmente em vieses: “gostei dessa”, “não gostei dessa”.

Os exemplos que usei acima sobre mudar o tema da conversa acredito que ilustram bem a questão.

Você não precisa avaliar se a pessoa é ou não resiliente. Precisa avaliar quais são os eventos que ativam sua resiliência ou sua desistência. Essa conversa acontece alguns degraus abaixo na escala de profundidade. É ali onde podemos entender se estamos trazendo uma pessoa que vai complementar o time, em uma mescla de afinidade de valores e diversidade de pensamento, ou se ela não será capaz de desempenhar o melhor de suas habilidades por algum desencontro nessas afinidades.

Indo além da resiliência, isso se aplica a outros temas também.

Um bom exemplo, citado anteriormente, é a ambição, ou motivação de conquistar algo a mais, de ir além. Todo mundo terá isso, em alguma medida. Você não precisa avaliar se a pessoa é ambiciosa ou não, mas sim quais são os eventos que ativam essa ambição e para onde ela se direciona: dinheiro, cargo, impacto do trabalho na sociedade, possibilidade de prover conforto à família, possibilidade de viajar e conhecer o mundo etc.

Vale muito a pena investir no processo seletivo para ter conversas mais significativas e avaliações mais profundas, em vez de focar apenas em bater metas e ocupar cadeiras.

Ganha a empresa, que traz o talento de que precisava, e ganha o candidato, que encontra um lugar para se desenvolver.