Layoffs em Tech: qual o futuro da carreira de Product Manager?
Marcell Almeida

Marcell Almeida

CEO – PM3

15 minutos de leitura

Muita gente tem me mandado mensagens demonstrando preocupação com a situação atual do mercado, devido aos layoffs – em especial Product Managers. Algumas pessoas até me relataram que sentiram uma mudança no mercado, afirmando que o cargo que elas tinham, até mesmo pelo salário que recebiam, não existe mais e que a exigência de senioridade está maior.

Sim, isso é verdade em diversas empresas. Em momentos de contração do mercado, as empresas ficam mais exigentes em tudo. Na priorização de iniciativas, na contratação de pessoas, na decisão de manter ou não uma pessoa que está performando mal. A barra de tudo sobe e a tolerância ao erro diminui.

É claro que muitas vezes em layoffs têm diversas pessoas boas e qualificadas que acabam sendo cortadas. Eu lamento muito por isso e torço para que elas encontrem um novo emprego logo. 

Esse texto é para trazer uma visão minha do futuro do mercado de produtos digitais e está muito baseada em diversas conversas com PMs e C-levels das mais variadas empresas, de todos os tamanhos e segmentos.

Falácia sobre layoffs: as empresas estão percebendo que não precisam de PMs

O boom do mercado

A primeira coisa que quero desmistificar é essa falácia. Nas últimas semanas vi alguns posts e comentários de pessoas afirmando que as empresas estão percebendo que não precisam de PMs. Dizendo que as empresas estão demitindo PMs que custam 12k, 15k e contratando pessoas mais juniores, que acabam tendo um salário menor. 

Isso pode até ser verdade, dada a tolerância e exigência atual do mercado, mas esse é só um pedaço da história. E é o pedaço sensacionalista, que causa pânico em quem está desempregado e não ajuda em nada. Primeiro que pouco menos da metade dos PMs recebem 12k ou mais:

salário de Product Managers para relação entre layoffs e área de Produto

Fonte: Panorama do Mercado de Produto no Brasil

A verdade é que a maioria dos “Product Managers” eram simplesmente “Backlog Managers” e focavam muito no delivery. O problema, muitas vezes, não está no profissional em si, e sim nas empresas. Seja na cultura, na liderança ou no escopo que é esperado das pessoas da área de Produto.

Todo mundo, assim que entra em uma empresa, começa empolgado e tenta fazer uma diferença o quanto antes. O problema é quando você percebe que a empresa tem uma expectativa de que você apenas gerencie um backlog. Chega ser até um choque de realidade brutal com o que você lê e vê na internet afora, né? 

Desde 2018 eu senti um boom grande na área de Produto. Vi muitas empresas contratando e estabelecendo uma área de produto formalmente. Mas nesses anos todos, várias empresas não conseguiram implementar a área muito bem (como tudo que é feito pelo hype ou de maneira desordenada).

Eu lembro que, de 2018 em diante, muita gente mudava de emprego só para conseguir ter um salto no salário, era mais fácil conseguir 30% ou até 50% de aumento trocando de emprego do que ficando na própria empresa por 1-2 anos.

Além disso, muita empresa começou a contratar pessoas quase como uma “reserva de mercado”. Eu já trabalhei em empresa no qual eu fiquei 4-6 meses praticamente só fazendo Discovery e análises porque não tinham desenvolvedores para alocar no meu time. Ué, então porque me contrataram? Era uma abundância de dinheiro disponível que permitia fazer isso. 

Eu lembro que falava várias vezes para o meu gestor: “vocês não precisavam ter me contratado. Não há muita demanda, provavelmente alguém bem mais júnior faria o mesmo trabalho que eu.”

Isso acelerou muito com o trabalho remoto durante a pandemia, as empresas de tech estavam aumentando sua receita e também não tinham que se preocupar com espaço no escritório. 

Perfil das pessoas desligadas nos layoffs

Usei como base o relatório feito pelo Bruno Pessoa, que tem uma categorização por área, cargos e, inclusive, a senioridade de quem foi desligado. Tudo isso com base nas listas de layoffs desde 2022 disponibilizadas no Layoffs Brasil. A definição de senioridade foi baseada no que cada profissional colocava na lista ou no LinkedIn, então não entraremos no mérito aqui do que é Sr ou Jr, afinal sabemos que muda de empresa para empresa.

O que é interessante ver é que a maioria dos cargos que passaram pelos layoffs nem são Product Managers, e sim Engenheiros de Software e profissionais de diversas outras áreas. 

relatório de cargos Layoffs Brasil

Fonte

É claro que, ao comparar Eng. de Software com os PMs, temos que pensar na proporção entre eles. Na pesquisa do Panorama do Mercado de Produto dá para ver que a proporção não tem um padrão, mas considerando que sempre há mais Engs do que PMs, proporcionalmente PMs foram tão afetados quanto (ou até mais) que os Devs.

proporção PMs e Devs nas empresas para relação entre layoffs e área de Produto

Quando olhamos uma outra visão dessa análise (imagem abaixo), é possível ver que nas áreas de Eng. Software e Sucesso do Cliente houveram muito mais demissões de profissionais Jrs do que nas outras. E já na área de Produto, dá para ver algo mais equalizado, o que de fato refuta a afirmação inicial de demissão somente dos seniores.

cargo de acordo com senioridade segundo Layoffs Brasil

Apesar de tudo isso, muitas empresas seguem contratando, e tem bastante vaga na área de Produto ou em áreas que são bem próximas de um profissional de Produto. A dificuldade aqui será em se destacar no processo seletivo.

pesquisa de cargos de Produto no LinkedIn para relação entre layoffs e área de Produto

A repriorização é o novo normal e facilita a decisão por cortes

Naturalmente, com esse mercado diferente, as empresas precisam repriorizar suas estratégias. E com um mercado contraído é uma tendência as empresas olharem muito mais para o curto prazo, assim as iniciativas de médio/longo prazo tendem a ficar em segundo plano

Após uma repriorização, a segunda coisa que acontece é o corte de custos e no meio disso algumas pessoas podem ser afetadas mesmo. É triste. Mas é a realidade.

A primeira vez que eu vi o termo “a grande repriorização” foi na newsletter do Lucas Abreu e fica muito claro que estamos vivendo um cenário de reorganização de prioridades. Vou chover no molhado aqui, então serei breve: nos últimos anos as taxas de juros globais estavam baixas, isso incentiva as empresas a investirem mais em crescimento, afinal, deixar o dinheiro parado não rendia muito. Hoje, com as taxas altas (em especial no Brasil), é mais vantajoso que as empresas deixem o dinheiro num CDB.

  • Aquela melhoria nos sistemas internos não é mais prioridade;
  • Aquele projeto que ia durar 6 meses pra você começar a ver resultado (se não falhar), também não é mais prioridade;
  • Aqueles débitos técnicos que precisam ser resolvidos também não são uma prioridade;
  • Aquelas otimizações pontuais não são mais prioridade.

Durante a pandemia falamos muito do “novo normal” mas a verdade é que aquele momento era passageiro. O novo normal é agora. Apertem os cintos que vai ser turbulento e não sabemos ao certo quanto tempo vai durar. É um momento de manter a calma e se qualificar como profissional.

Abaixo trago um pedaço da newsletter do Lucas Abreu que ilustra bem este ponto:

Essa transformação da economia de “taxa de juros baixa” para “taxa de juros moderada”, por mais que pareça simples de entender, é um grande pivô no que tange a execução de investimentos e construção de empresas, pois:

  1. O valor de qualquer empresa é seu fluxo de caixa descontado. Um dos fatores de desconto é a taxa de juros. Maior a taxa, maior o desconto em relação ao fluxo de caixa futuro e consequentemente, menor o valuation. O dinheiro de hoje está mais caro, o custo de oportunidade é maior. Com isso, o incentivo para investir em ativos de risco é menor e a diligência é maior;
  2. No que tange à execução, o custo de errar é maior. Investir 20% do budget em uma iniciativa que não deu resultado tem um custo muito maior quando o dinheiro é caro. Por outro lado, a diligência de clientes em comprar se torna mais rígida. A restrição de demanda será uma realidade dura. Dados da Craft Ventures apontam que a expectativa de crescimento das 10 empresas de SaaS listadas na bolsa com maior múltiplo de receita caíram 50% em relação ao ano anterior.

Dito essas reflexões, “A grande repriorização” é um termo adequado, pois no fim do dia, é um ajuste de rota. As empresas estão demitindo na faixa de 10% — 25%. Este tipo de layoff é uma readequação ao custo de oportunidade dos próximos anos. Haverá também empresas que vão quebrar e outras que não farão layoffs, mas em geral, o movimento geral é de readequação.

E veja bem, essa readequação irá afetar todos os profissionais e não só a área de produto. A bonança acabou e foi boa enquanto durou. 

Product Managers x Backlog Managers

Como foi possível ver no relatório do Bruno Pessoa anteriormente, muitas áreas sofreram cortes. E é fato: se a empresa não enxergar qual valor as pessoas geram para o negócio, elas terão mais chances de serem cortadas. A mesma coisa vale para PMs. 

Motivos para um desligamento de alguém de produto

É claro que nem sempre será culpa da pessoa, às vezes ela até está performando dentro do esperado mas acaba indo no “bolo”. Existem diversos fatores que levam uma pessoa entrar na lista de um layoff

  • Reorganização dos squads (ex.: Muitos squads pequenos tentando, cada um, andar um pouquinho com uma prioridade – não vale condensar e focar em uma coisa só, que tenha mais chance de sucesso?);
  • Otimização da proporção Eng/PM;
  • Redução do overhead entre produtos (ex.: cada produto ter seus gerentes intermediários, agilistas, Product Marketing, etc);
  • Relação performance x salário;
  • E, obviamente, performance isodalamente.

A percepção de valor entregue é algo super importante

Como comentei no início desse artigo, arriscaria dizer que a maioria dos “Product Managers” talvez sejam “Backlog Managers” e foquem muito no delivery. Tem vezes que sim, isso é do perfil da pessoa. Entretanto, reforço que o problema, muitas vezes, não está no profissional em si, e sim nas empresas: na cultura, na liderança ou no escopo que é esperado das pessoas da área de produto.

Se a empresa for grande e a cultura do “Backlog Manager” estiver enraizada, não há PM que consiga fazer mudanças drásticas. Portanto, tais pessoas podem ser de fato cortadas – e isso é porque a empresa não ajudou ela a ter um escopo no qual fosse possível mostrar o impacto de um Product Manager.

Fato é: Backlog Managers entregam menos valor do que bons Product Managers. Então se a empresa prevalece essa cultura de ‘Backlog Managers’ e nota que PMs caros estão agindo assim, ela realmente tende a contratar pessoas mais baratas pensando de maneira pragmática ao analisar o custo vs benefício. 

Essa “grande repriorização” vai fazer com que tudo que seja “nice to have” acabe sendo cortado. Desde fornecedores, passando por iniciativas e chegando até os colaboradores. O foco das empresas será em todas as iniciativas “must-have”. 

A priorização se tornará um cálculo muito mais direto ao ponto de “Isso vai me custar X para dar um resultado positivo?” E a verdade é que Backlog Managers não são tão importantes nessas horas – em especial os com salários altos.

De nada adianta você se intitular Product Manager se a empresa não tem uma cultura propícia para isso que ajude você a se desenvolver. Então na hora de tentar se recolocar no mercado, é necessário avaliar bem a empresa e talvez aceitar um salário menor, dependendo se você saiu de uma empresa grande com salários acelerados.

Dito isso, lembre de 3 fatores-chave para ser um bom profissional de Produto:

1) Saber construir bons relacionamentos; 

2) Saber ganhar conhecimento do setor e contexto da empresa; 

3) Desenvolver habilidades demandadas pela empresa.

*Alguns gostam de entrar no mérito de PM vs PO e chamar pessoas desse perfil de POs. Mas tanto faz o cargo aqui. Backlog Manager passa a mensagem melhor.

Concluindo

Escolher quem ouvir e seguir é essencial em momentos difíceis.

Quando comentários sensacionalistas acontecem muita gente fica desesperada – não é à toa que recebo diversas mensagens me questionando sobre tais publicações. A primeira coisa que posso dizer é: comece a ter senso crítico e decidir melhor quem você escuta e segue, isso não significa seguir as pessoas com discursos mais otimistas, mas observar o quão coerente e quão bem fundamentados são os argumentos. 

O mercado de Produto é atraente e está em constante ascensão. A crise vai causar uma desaceleração, mas não deve fazê-lo parar de crescer, assim como tech continuou crescendo mesmo depois da dot-com bubble. Então naturalmente vão surgir pessoas que estão caçando cliques, likes e engajamento. Muitas vezes elas não estão somando à sua carreira, mas sim apenas fazendo piadas ou gerando ansiedade com conclusões incompletas ou sem base.

Se você quer ser um bom profissional na área de produto, a primeira coisa que você precisa ter é senso crítico. Evite pessoas que polemizam e não somam na sua carreira. Foque em praticar, se tornar um melhor profissional e colocar a mão na massa.

Os últimos 3-4 anos não refletem a realidade

Assim como disse anteriormente, a pandemia não é o “novo normal”, bem como os últimos anos antes dela também não eram normais. Portanto, qualquer pessoa na área de Produto precisa agir com parcimônia. Por exemplo, abaixo coloquei o print de uma pergunta que recebi no Instagram:

print de direct message do instagram

Se você não tem um colchão financeiro, não é o momento de fazer nenhum movimento brusco de carreira. É um momento de calma. 

Se você está buscando por uma oportunidade porque acabou passando por um processo de demissão recentemente, recomendo buscar por empresas mais maduras e consolidadas. Além do óbvio, buscar ao máximo se capacitar.

Considere que se o seu novo empregador passar por uma demissão em massa, um dos critérios pode ser desligar os recém-chegados, que teoricamente ainda não ramparam nem começaram a dar resultado, priorizando quem já está na casa e conhece do negócio e do produto.

O cenário é de muita incerteza e não dá para saber o que vai acontecer

É possível que o mercado global continue retraído e com taxas de juros altas. Apesar disso, também há chances da América Latina receber aportes porque é visto como um mercado atrativo por muitos investidores. De qualquer forma é um momento de muita incerteza e é provável que a gente ainda viva assim por um tempo.

A verdade é que muitas empresas estão fazendo layoffs por causa de repriorizações internas. Outras, por um lado, estão fazendo para sobreviver. Não tem nada a ver com Product Managers em si. Conforme as empresas se acostumarem com o novo ritmo mais devagar da economia, é possível que algumas comecem a investir mais em tech novamente – mas será de maneira vagarosa e sem grandes estripulias como foi nos últimos anos. 

As boas empresas vão voltar a contratar PMs logo e tem aquelas que inclusive nem pararam. Mas a régua e tolerância pela qualidade, aquela que citei no começo desse artigo, vai continuar alta. Só quem souber se destacar no meio de tantos candidatos, e executar bem o seu trabalho de Product Manager (ou até mesmo Backlog Manager, caso seja a cultura da empresa) são os que terão mais chance de ter estabilidade no emprego.

Dito tudo isso, lembre-se: não é só a área de Produto que existe no mercado de tecnologia. Oportunidades estão, muitas vezes, na nossa frente e a gente nem percebe. O importante é você entregar valor para a empresa. E quanto mais fácil for de calcular o ROI que você gera, melhor.

O que está impedindo você de buscar diferenciação no mercado em vez de ser vítima do status quo?

Referências para construir o racional do artigo (além das conversas com diversas pessoas do mercado):

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